Avanços na motilidade e na Neurogastroenterologia
Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto
O número Agosto de 2020, da tradicional revista Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition, traz um artigo intitulado “Proceedings of the 2018 advances in motility and neurogastroenterology: AIMING for the future single topic symposium” de autoria de Ambartsumyan L. e cols., que a seguir passo a resumir.
Introdução
Transtornos funcionais da motilidade gastrointestinais são frequentes na infância, geralmente causam situações debilitantes e permanecem um desafio para um tratamento eficaz. Em outubro de 2018, a NASPGHAN organizou um simpósio cujo objetivo principal foi abordar os avanços mais recentes no campo da Neurogastroenterologia. Os tópicos foram divididos em 3 módulos, que abaixo passo a resumir.
Módulo 1 – O Esôfago: Diagnóstico e manejo da disfagia, dor, tosse e algo mais
Detalhes da fisiologia e função esofágicas para a compreensão da saúde e doença, e como se relacionam com sintomas extra-esofágicos
Transtornos da motilidade esofágica são pouco compreendidos pelos seus sintomas extra-esofágicos incluindo tosse crônica e pneumonia. Os sintomas da dismotilidade esofágica podem ser idênticos ao do refluxo gastroesofágico (RGE), incluindo regurgitação, tosse, incomodo na garganta, dificuldade para comer (incluindo aversão à textura do alimento e sintomas respiratórios ao se alimentar) e voz úmida. Anormalidades motoras desde a orofaringe até o estômago, podem causar sintomas extra-esofágicos. Na faringe, baixas pressões faríngeas, duração prolongada na faringe e relaxamento incompleto e incoordenado do esfíncter esofágico superior, podem resultar em impedimento para a propulsão do bolus e mesmo parada do bolus na orofaringe. Estes pacientes apresentam-se com respiração ruidosa, voz úmida e infecções recorrentes do trato respiratório, e, também, com risco de aspiração. No corpo esofágico, a peristalse débil ou ausente, como ocorre nos pacientes com atresia esofágica, acalasia ou transtornos do tecido conetivo, podem resultar em estase do bolus no esôfago médio, o que aumenta o risco de aspiração. Estes pacientes podem apresentar saciedade precoce, disfagia, tosse noturna, regurgitação, incomodo na garganta e pneumonia, mesmo na ausência da disfagia. Finalmente, obstrução ao nível da junção gastroesofágica devido a fundoplicatura anterior ou acalasia, apresenta-se de forma similar aos transtornos peristálticos, onde a estase esofágica prevalece e os sintomas apresentados são similares. O índice de suspeição da dismotilidade passa a ser alto e a impedanciomanometria de alta resolução é o teste mais confiável na avaliação das crianças com sintomas extra-esofágicos.
O advento do surgimento da impedanciomanometria de alta resolução transformou a compreensão da fisiologia esofágica devido ao pareamento das medidas de pressão e impedância em múltiplos seguimentos esofágicos, o que tem permitido o estudo do trânsito do bolus e sua relação com a motilidade.
Além da avaliação dos transtornos da motilidade, a avaliação do refluxo também sofreu modificações. Testes de refluxo focalizando tanto a mensuração quantitativa do refluxo e sua associação com sintomas, permitiram uma nova classificação funcional esofágica ou pela utilização de marcadores que indiretamente sugerem a presença de refluxo subjacente (biópsias, pepsinas). Na Pediatria, o teste da impedanciometria tem se tornado o critério padrão, e deve ser realizado sem o tratamento com supressão de ácido, exceto nos pacientes cuja doença do refluxo já tenha sido comprovada, e na qual o estudo é realizado para avaliar a resposta ao tratamento.
Ferramentas diagnósticas para uma melhor compreensão da fisiologia esofágica em adultos têm sido recentemente introduzidas no estudo da população pediátrica. A sondagem funcional para a imagem do lúmen pode ser realizada durante a endoscopia e tem surgido como uma importante ferramenta de avaliação dos transtornos esofágicos. A sondagem utiliza a impedancioplanimetria de alta resolução com a finalidade de mensurar a distensibilidade da parede tecidual como uma função da pressão e da área transversal, o que permite avaliar a contratilidade esofágica induzida por distensão.
Transtorno motor esofágico: diagnóstico e manejo da acalasia, atresia esofágica e o esôfago pós fundoplicatura
Os transtornos da motilidade esofágica que se apresentam com disfagia, podem ser devidos a causas primárias, tais como acalasia ou secundárias, após cirurgia de atresia esofágica ou fundoplicatura. O estudo radiológico contrastado é usualmente o primeiro teste realizado na criança com disfagia para avaliar possível estenose esofágica, acalasia, obstrução da junção gastroesofágica, anéis e fibrose. A impedanciomanometria de alta resolução é fundamental para o diagnóstico dos transtornos de motilidade primários (acalasia) e secundários.
As opções preferenciais de tratamento para acalasia são a dilatação com balão pneumático, miotomia de Heller geralmente associada a fundoplicatura parcial ou miotomia per-oral endoscópica (MPE).
A disfagia na criança com uma história de atresia esofágica/fístula traqueo-esofágica, previamente reparada pode ser devida tanto a estenose anastomótica com dilatação proximal, inflamação esofágica (péptica ou eosinofílica), dismotilidade esofágica ou esvaziamento esofágico prejudicado devido a complicações da fundoplicatura. Estudo radiológico contrastado, endoscopia digestiva alta e impedanciometria de alta resolução, são técnicas úteis para distinguir essas causas e auxiliar na terapêutica de reparação. Idealmente, uma equipe aero digestiva deve estar envolvida para avaliar a possível existência de fístula recorrente associadamente com broncoscopia, laringoscopia e endoscopia, simultaneamente.
A disfagia nos pacientes após a fundoplicatura pode ser causada por um envolvimento (nó) muito apertado, deslizamento do mesmo ou formação de hérnia. O estudo radiológico contrastado é útil para delinear a anatomia da fundoplicatura e contribui diretamente para o tratamento. A impedanciometria de alta resolução é extremamente importante para caracterizar o diagnóstico de elevadas pressões residuais do esfíncter esofágico inferior, altas zonas de pressão na área da fundoplicatura e quando associadas com a impedanciometria caracterizar a estase do bolus.
Vale ressaltar que o aspecto mais desafiador para o diagnóstico nos pacientes com disfagia pós cirúrgica reside no fato de que os métodos diagnósticos, acima citados, são incapazes de relacionar os sintomas funcionais, tais como disfagia, com os transtornos esofágicos motores. Para se poder contornar esta dificuldade, recentemente um método foi incorporado denominado análise do fluxo de pressão. A análise do fluxo de pressão utiliza simultaneamente mensurações adquiridas pela impedanciometria e manometria, e aplica uma análise integrada destes dados para obter uma métrica quantitativa do fluxo de pressão. Estas métricas do fluxo de pressão permitem detectar a interação entre o fluxo do bolus, padrões motores e a sintomatologia por meio de uma combinação de dados entre o trânsito do bolus, e a resistência do fluxo do bolus. Este novo método possui um potencial para guiar decisões terapêuticas para situações pós cirúrgicas de dismotilidade esofágica.
Transtornos esofágicos não erosivos: diagnóstico e tratamento.
Os transtornos esofágicos não erosivos que se apresentam com queimação retroesternal, disfagia, globus, sensibilidade ao refluxo e dor torácica, são reconhecidos como síndromes específicas que são baseadas nos sintomas relatados pelos pacientes. Esses transtornos permanecem em um espectro complexo como parte de enfermidades “orgânicas”. Considerando que os sintomas podem ser mediados por hipersensibilidade visceral, hipervigilância e estresses psicossociais, uma abordagem terapêutica e integrada é recomendável.
O diagnóstico desses transtornos requer a exclusão do refluxo gastroesofágico, transtornos na motilidade esofágica e anormalidades estruturais ou da mucosa esofágica. Nos pacientes adultos o algoritmo de abordagem para distinguir a causa dos sintomas de refluxo ou disfagia está disponível utilizando-se a endoscopia com biópsia, pHmetria/impedanciometria e manometria esofágica, aos quais podem ser aplicáveis a DRGE em pediatria (Figura 1).
O tratamento dos transtornos esofágicos relacionados ao refluxo nos adultos está condicionado baseando-se no fenótipo e na avaliação da anatomia e a existência de lesão, padrão do agravo do refluxo, mecanismo do refluxo, efetores da depuração esofágica, sensibilidade visceral/permeabilidade tecidual, e interações cognitivas (Figura 2). A identificação destes atributos impacta o plano de cuidado incluindo fator educacional, modificação comportamental e farmacoterapia.
O tratamento envolve a educação a respeito da interação cérebro- trato digestivo e um plano integrado para aliviar os sintomas. Na população pediátrica, até o presente momento, há uma lacuna nos agentes farmacológicos baseados em evidência para serem recomendados para o tratamento dos transtornos esofágicos não erosivos.
Módulo 2 – A sensibilidade gástrica e do intestino delgado e a disfunção motora
Motilidade Gástrica: como ela funciona, como nós a sentimos e como a testamos
A função da inervação motora e sensorial do estômago é fundamental para a resposta coordenada na ingestão e sensação. Os métodos para avaliar a dismotilidade gástrica geralmente variam de instituição para instituição, embora a cintilografia de esvaziamento gástrico permanece sendo o teste mais utilizado. Um estudo da fase sólida de quatro horas é recomendado para crianças maiores, mas não se mostra factível para lactentes e pré-escolares. A manometria antro-duodenal é menos disponível e usualmente é indicada quando se suspeita da síndrome da pseudo-obstrução intestinal. O uso da cápsula de motilidade wireless a qual monitora o pH, a pressão e a temperatura, para avaliar o trânsito gastrointestinal localizado, pode se tornar mais prevalente na avaliação das crianças em breve futuro. O teste respiratório de esvaziamento gástrico utilizando ácido octanóico C13 ainda não está largamente disponível, mas tem a vantagem de não ser invasivo, não ser radioativo e não necessitar equipamento especial.
Pseudo-Obstrução: apresentação clínica, etiologia, métodos diagnósticos e intervenção terapêutica.
A síndrome da Pseudo-Obstrução Intestinal (POI) em pediatria, caracteriza-se por sintomas de obstrução intestinal, na ausência de oclusão luminal física. A distensão abdominal é o sintoma mais comum, seguido de vômitos, constipação e failure to thrive. Há dois tipos de POI, a saber, a primária que inclui formas familiares de miopatia, neuropatia e mesenquimopatia, e a secundária que resulta de condições que afetam o músculo liso ou o sistema nervoso entérico. Aproximadamente 20% dos pacientes apresentam a POI no pré-natal, 67% neonatal e 80% ao redor de 1 ano de vida. As crianças com início neonatal da POI apresentam maior incidência de envolvimento urinário, dependência de nutrição parenteral, colocação de estoma e cirurgias complexas do trato gastrointestinal em comparação com aqueles pacientes que apresentam POI mais tardiamente. A manometria antro-duodenal pode diferenciar os tipos de POI, neuropática ou miopática, e pode identificar quais regiões do trato gastrointestinal estão afetadas.
Experts enfatizam que o diagnóstico precoce da POI e a abordagem multidisciplinar desempenham papel chave nos cuidados dos pacientes. As necessidades nutricionais devem ser fornecidas por via enteral e/ou parenteral e as medicações que tratam do sobrecrescimento bacteriano e aquelas que diminuem a dismotilidade devem ser utilizadas. Vólvulo intestinal e obstrução mecânica não são incomuns e podem ser ameaçadoras da vida. Intervenções cirúrgicas incluindo a colocação de gastrostomia e/ou jejunostomia, ou a criação de uma ileostomia com colectomia associada ou não, podem ser necessárias dependendo da gravidade da enfermidade. O desfecho das crianças com POI incluem fracasso intestinal irreversível, dependência de nutrição parenteral e hospitalizações prolongadas.
Enxaqueca abdominal, dispepsia funcional, vômitos cíclicos e tudo aquilo que acompanha estes transtornos.
Os transtornos funcionais do trato gastrointestinal superior incluem aqueles que são acompanhados de dor (dispepsia funcional e enxaqueca abdominal) e outros com náusea/vômitos/regurgitação (náusea funcional/vômito funcional/síndrome dos vômitos cíclicos e ruminação). Fatores fisiopatológicos incluem alteração da motilidade, acomodação diminuída, e sensibilidade aumentada, e infecções tais como H. pylori, regulação alterada do eixo cérebro-trato digestivo, ansiedade e predisposição genética (transportador de serotonina ou receptor transitório do potencial de canal de cation da subfamília V). Embora os grupos das síndromes de estresse pós-prandial e a síndrome da dor epigástrica não diferem em medidas de motilidade, aqueles 50% que se sobrepõem apresentam a mais alta intensidade de sintomas.
A síndrome dos vômitos cíclicos apresenta-se com episódios de vômitos recorrentes, estereotipados, geralmente acompanhados de dor. Recentemente, foram reconhecidos aspectos da síndrome dos vômitos cíclicos que incluem padrão temporal atípico, comorbidades múltiplas (como por exemplo: ansiedade, taquicardia postural ortostática e fadiga crônica). Na opinião dos experts deve ser enfatizada a natureza empírica da terapia para a síndrome dos vômitos cíclicos baseando-se nos mecanismos subjacentes, a saber: enxaqueca (agentes anti-enxaqueca), hiperativação do eixo de estresse (Amitriptilina), autonômica (tratamento da taquicardia postural ortostática) e disfunção mitocondrial (suplementos). A abordagem inclui modificações no estilo de vida e o tratamento da ansiedade (Tabela 1).
Manejo das náuseas e vômitos
As náuseas e os vômitos são sintomas complexos que envolvem fatores psicossociais, motilidade alterada e acomodação e esvaziamento gástricos reduzidos, com sensação visceral aumentada. A manometria antro-duodenal permanece o critério padrão para o estudo da disfunção da motilidade gástrica e do intestino delgado. Os sintomas clínicos, entretanto, apresentam uma pobre concordância com os resultados destes testes de motilidade, presumivelmente porque a disfunção sensorial periférica e as alterações dos sinais de processamento do sistema nervoso central (devido a ansiedade e hiper vigilância), são causas importantes dos sintomas que não são avaliados nos testes de motilidade. Tradicionalmente, náusea e vômitos têm sido manejados com drogas pro-cinéticas (por exemplo, eritromicina, donperidona, cisaprida e metoclopramida) para melhorar a motilidade gástrica. A metoclopramida apresenta maiores efeitos adversos do que a eritromicina nas crianças, e o potencial para causar discinesia tardia com seu uso a longo prazo. Neuromoduladores, tais como, a amitriptilina são comumente prescritos a despeito do reduzido número dos ensaios clínicos. Medicamentos antieméticos, tais como, ondansetrona, também tem algum papel no alívio dos sintomas. Abordagens alternativas tais como dietéticas e modificação do comportamento, também tem um papel associado ao manejo dos sintomas refratários, bem como terapias endoscópicas com injeção de toxina botulínica no esfíncter pilórico, dilatação do piloro com balão. Manejo cirúrgico incluindo piloromiotomia e colocação de sondas para alimentação, também podem ter valor em crianças especialmente selecionadas. Finalmente, a estimulação elétrica gástrica alivia sintomas de gastroparesia idiopática e diabética em adultos e tem sido utilizada para os casos de náuseas/vômitos refratários, para aliviar os sintomas nas crianças.
Opções de manejo para dor abdominal e síndrome do intestino irritável
A dieta exerce um papel importante nos sintomas nas crianças com síndrome do intestino irritável (SII). Mais de 90% dos indivíduos com SII identificam que pelo menos um alimento provoca exacerbação dos sintomas. Os Fodmaps vêm ganhando um aumento da atenção como os responsáveis da SII. Embora o mecanismo ainda esteja sob investigação, a restrição dos Fodmaps da dieta provoca alívio dos sintomas nos pacientes com SII.
Módulo 3 – Avanços na avaliação e no manejo da disfunção colônica e anorretal
Avaliação da função anorretal
Avaliação radiográfica e/ou manométrica fornece o conhecimento da fisiopatologia da função anorretal em crianças que não respondem às terapias convencionais medicamentosas e comportamentais. O defecograma permite a avaliação, em tempo real, do momento da evacuação, do movimento da junção anorretal, a mudança do ângulo anorretal e a atividade do esfíncter anal durante a evacuação.
A manometria anorretal é utilizada para avaliar as propriedades voluntárias e involuntárias anorretais e para identificar possível neuropatia localizada na medula espinhal. Pressões anais de repouso e o reflexo inibidor retoanal permitem uma avaliação detalhada da integridade neuromuscular anorretal, incluindo a triagem da Doença de Hirschsprung, e a avaliação pós operatória dessa patologia. Além disso, a manometria anorretal permite a avaliação do controle sensorial e voluntário do assoalho pélvico por meio de manobras específicas.
Avaliação da função colônica
Crianças com constipação refratária e incontinência fecal devem ser submetidas a avaliação diagnóstica radiográfica e manométrica da função colônica. O trânsito colônico pode ser avaliado utilizando-se marcados radiopacos e trânsito cintilográfico colônico. A cintilografia colônica permite estabelecer a diferença entre constipação com trânsito normal, constipação com trânsito retardado e retenção anorretal. A manometria colônica avalia a integridade neuromuscular do colón por meio da mensuração das modificações da pressão intraluminal. A manometria colônica permite diferenciar neuropatia e miopatia da constipação funcional e, pode identificar a dismotilidade colônica total ou segmentar, e a inercia colônica. A motilidade colônica permite auxiliar no desfecho dos enemas de continência anterógrados e auxiliam na tomada de decisão cirúrgica nos pacientes com constipação refratária.
Manejo clínico da constipação intratável
Estudos recentes indicam que a fisioterapia do assoalho pélvico alivia sintomas da constipação funcional e a incontinência fecal. Terapêuticas tradicionais para constipação crônica nas crianças, incluem agentes que aumentam o bolo fecal, substâncias que tornam as fezes mais pastosas, laxantes osmóticos e estimulantes do peristaltismo. O polietilenoglicol é recomendado prioritariamente como tratamento de manutenção nas crianças com constipação, e tem sido demonstrado ser mais eficaz e mais bem tolerado do que a lactulose, óleo mineral, leite de magnésia e placebo. Medicamentos para as situações de trânsito colônico lento, incluem secretagogos, agentes serotonérgicos e inibidores do transporte de ácido biliar no íleo. Recentemente, estimulação elétrica interferencial transabdominal mostrou-se ser eficaz no aumento da frequência da evacuação, diminuição da dor abdominal e da incontinência fecal, nas crianças com constipação refratária devido a trânsito colônico lento.
Manejo cirúrgico da constipação intratável
A intervenção cirúrgica deve ser considerada nas crianças com constipação refratária cujo tratamento clínico fracassou. De acordo com experts na área, a avaliação de um paciente antes do procedimento cirúrgico deve incluir enema colônico contrastado, estudo radiológico do trânsito colônico, manometria anorretal e manometria colônica. Enemas de continência anterógrados permitem a administração de fluxos para proporcionar de forma eficaz evacuações diárias. Estudos recentes estão em evolução para determinar a utilidade e o momento da ressecção colônica quando da aplicação dos enemas anterógrados. A manometria colônica pode ser de auxílio para guiar a decisão da realização cirúrgica e deve ser repetida antes da ressecção ou da retirada da ostomia. Ressecção colônica segmentar deve ser reservada para aqueles pacientes cujo enema anterógrado tenha fracassado e que ainda continuam a apresentar anormalidades segmentares na motilidade colônica. Uma derivação da ileostomia ou da colostomia deve ser considerada naqueles pacientes cujo enema anterógrado tenha fracassado ou naqueles pacientes que apresentam disfunção colônica total ou inércia colônica. Tem sido demonstrado que a derivação colônica pode permitir a recuperação da motilidade colônica.
Conclusões
Neurogastroenterologia Pediátrica: onde ela começou e onde ela é liderada
O termo neurogastroenterologia apropriadamente salienta que os transtornos mais frequentes da motilidade e aqueles transtornos que são tradicionalmente rotulados como transtornos funcionais gastrointestinais, são resultados de patologia entérica e/ou interações anormais cérebro-trato digestivo. Tecnologia sofisticada para mensurar as características motora e sensorial do trato gastrointestinal superior e inferior, estão sendo desenvolvidas para promover um melhor conhecimento da fisiopatologia da maioria dos transtornos neurogastroenterológicos na infância. A tendência atual neste campo é tentar desenvolver testes diagnósticos menos invasivos, mas igualmente confiáveis, para substituir os testes mais invasivos de manometria anorretal nas crianças. Uma compreensão mais profunda dos mecanismos de doença, para desenhar terapêuticas baseadas nos seus respectivos mecanismos, faz-se necessária. Nós ainda temos muito que aprender acerca da genética dos transtornos de motilidade intestinal e acerca dos fatores não genéticos que afetam a motilidade nas crianças. Opções terapêuticas para crianças com transtornos neurogastroenterológicos, incluem medicamentos, cujo alvo por um lado, é o trato intestinal e outros que são dirigidos para o cérebro. O tratamento deve ser desenhado no contexto do modelo biopsicossocial. Técnicas que no futuro serão desenvolvidas para auxiliar as crianças com as formas mais graves de transtornos da motilidade intestinal, incluem neuromodulação e manipulação seletiva da microbiota colônica.
Meus Comentários
Os transtornos funcionais do trato digestivo têm assumido uma importância cada vez maior no cenário clínico da gastroenterologia devido, em primeiro lugar a seu reconhecimento pelos gastroenterologistas, em segundo lugar por sua crescente prevalência no mundo ocidental e em terceiro lugar por sua característica etiologia multifatorial. Com o avanço das técnicas de investigação dos modelos fisiopatológicos envolvidos nas gêneses dos diversos tipos de manifestações clínicas, que em muitas situações são superponíveis, pode-se cada vez mais individualizar os diagnósticos clínicos e conhecer seus mecanismos fisiopatológicos. A partir desta individualização específica de cada entidade clínica tem sido possível, cada vez mais, a proposição de ações terapêuticas visando atuar no alvo das causas dos processos, ao invés de apenas agir sobre as consequências de forma inespecífica, como até há pouco tempo se fazia. Uma grande conquista obtida mais recentemente foi o reconhecimento da transcendental importância do eixo cérebro-trato digestivo, o que tem permitido a proposição de ações terapêuticas novas que, até então, não faziam parte do arsenal terapêutico disponível. Quanto mais se avança na metodologia investigativa maiores são os novos conhecimentos adquiridos como muito bem está abordado neste artigo. Quanto mais respostas são esclarecidas mais perguntas continuam a ser feitas, e, isto espelha a grandeza e a inquietude do espírito do investigador.
Referências Bibliográficas
- Ambartsumyan L e cols – JPGN 2020:71;e59-e67
- Rosen B e cols – Neurogast Motil 2018: 30
- Thapar N e cols – Jpgn 2018:66;991-1019
- Diamanti A e cols – JPGN 2019:69;212-7