Sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado (SIBO) associado a sintomas ou entidades clínicas que não apresentam evidências de má digestão/má absorção
Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto
A renomada revista Gastroenterology publicou um artigo de revisão, em julho de 2022, intitulado “Small Intestinal Bacterial Overgrowth – Pathophysiology and Its Implications for Definition Management”, de Bushyhead D. e cols, que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.
Este número da Gastroenterology publicou um artigo de revisão sobre as diversas situações clínicas relacionadas com o Sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado (SIBO). Há uma interessante descrição dos fatores reguladores do intestino sobre a microbiota, a qual está representada na Figura 1.
Há também a descrição da prevalência da SIBO em diversos países, publicada na Tabela 1.
A Tabela 2 descreve os diversos transtornos clínicos relacionados à SIBO.
A Tabela 3 relaciona a fisiopatologia dos sintomas e os achados clínicos na SIBO.
A Tabela 4 descreve os testes diagnósticos para SIBO, e, a Tabela 5 propõe uma nova terminologia para se analisar o microbioma intestinal
Dentre as diversas situações que podem envolver o surgimento da SIBO decidi me ater a um transtorno funcional bastante frequente na atividade clínica diária, a Síndrome do Intestino Irritável (SII), que ainda necessita ter muitos aspectos esclarecidos, e, um deles é a inter-relação SII-SIBO que a seguir abordo em detalhe.
Sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado (SIBO) associado a sintomas ou entidades clínicas que não apresentam evidências de má digestão/má absorção
Sabe-se que SIBO pode causar diarreia na ausência de outros aspectos clínicos de má digestão e/ou má absorção (esteatorréia, desnutrição, deficiências de vitaminas e nutrientes) desde a metade do século 20, com especial prevalência entre os indivíduos idosos. Esta hipótese é plausível e se apoia em vários fatores. Em primeiro lugar, os fatores de risco para SIBO (hipocloridria, dismotilidade intestinal e resposta imunológica prejudicada) tem sido descrita neste grupo populacional. Em segundo lugar, inúmeros mecanismos podem ser levados em consideração para explicar a patogênese da diarreia devido à SIBO, e, a maior parte deles gira ao redor das interações microbiota-sais biliares, mesmo porque, efeitos diretos do microbioma alterado sobre o sistema neuromuscular entérico devem ser levados em consideração.
Uma das maiores alegações controvertidas relativas à SIBO tem sido sua relação com a Síndrome do Intestino Irritável (SII). Qual a possível relação entre SIBO e SII, embora seu nexo seja duvidoso? Tem sido demonstrado que pacientes portadores de SII, ao realizar o teste do Hidrogênio no ar expirado após sobrecarga com Lactulose, estes testes revelaram-se positivos de forma mais prevalente do que em controles sadios. Além disso, comprovou-se a ocorrência da normalização dos testes e o desaparecimento dos sintomas após a realização de um ciclo terapêutico com antibioticoterapia. A eficácia da Rifaximina como atenuante dos sintomas na SII tem sido considerada uma evidência que dá suporte para esta associação SIBO e SII.
Uma ruptura na fisiologia dos sais biliares tem sido considerada para explicar casos de diarreia sem causas conhecidas, bem como, na SII com diarreia. Embora a diarreia relacionada aos sais biliares tenha sido considerada decorrente de problemas da não reabsorção dos sais biliares pelo transportador ileal dos sais biliares, interações entre a microbiota e os sais biliares também têm sido levadas em consideração. Alterações na composição da microbiota fecal, que provavelmente refletem a microbiota colônica, têm sido descritas em associação com alterações da fisiologia dos sais biliares em pacientes com SII-diarreia, porém saber se tais alterações seriam primárias ou secundárias, necessita a realização de investigações mais detalhadas.
Alterações nos padrões motores do intestino delgado poderiam também fornecer alguma base para o conhecimento da interrelação SIBO e SII. Embora ainda pouco explorada nos anos mais recentes, existem evidências que caracterizam uma dismotilidade intestinal na SII, porém essa hipótese ainda requer confirmação. Presume-se que a microbiota presente no intestino delgado em pacientes com SII poderia afetar o sistema neuromuscular entérico, e, por isso ser a responsável pela dismotilidade, posto que a SIBO tem sido sugerida ocorrer em um subtipo de SII, a SII pós-gastroenterite.
SIBO tem ido proposto responsável por impactar um outro fenômeno que poderia ser relevante para a SII, isto é, o envolvimento desde a barreira intestinal juntamente com o sistema imunológico associado ao intestino, e, pela via do eixo microbiota-intestino-cérebro, alcançar o sistema nervoso central, e, desta maneira, tornar-se um hospedeiro de tal cenário, simulando um “transtorno autoimune”.
Diante dos conhecimentos até então disponíveis na literatura, admite-se, portanto, que a interrelação SII-SIBO permanece controvertida, e este debate tem gerado muito calor na literatura da gastroenterologia; somente após ser conhecida uma definição acurada a respeito do que venha a ser um microbioma normal do intestino delgado, se tornará possível a geração de luz sobre tão importante tema para os clínicos, pesquisadores e pacientes.
Referências Bibliográficas
- Bushyhead D. & Quigley E. – Gastroenterology 2022;163:593-607
- Pimentel M et al. – Am J Gastroenterol 2003;98:412-19
- Pyleris E. et al. – Dig Dis Sci 2012;57:1321-29
- Yu D. et al, – Gut 2011;160:334-340