Taxas de adesão aos medicamentos nos adolescentes com Esofagite Eosinofílica (EEo) são baixas e estão associadas aos hábitos de saúde
Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto
A revista JPGN de outubro de 2023, publicou um importante artigo de autoria de Mehta P. et al., intitulado “Medication adherence rates in adolescentes with Eosinoplilic Esophagitis are low and are associated with health habits” que a seguir passo a abordar em seus aspectos de maior relevância. (JPGN 2023;77:532-35)
Introdução
Esteroides tópicos deglutíveis são eficazes na indução da resposta histológica, clínica e endoscópica na Esofagite Eosinofílica (EEo). Entretanto, estudos visando a eficácia de longo prazo têm demonstrado que os pacientes frequentemente experimentam uma perda da resposta ao tratamento. Enquanto possam existir inúmeras razões pelas quais os pacientes perdem a capacidade de resposta aos esteróides deglutíveis, a avaliação da falta de adesão ao tratamento é o ponto inicial de avaliação da EEo refratária. Considerando a grande variedade da falta de adesão ao tratamento em um largo espectro das enfermidades, a não adesão é provavelmente não apenas um fator que afeta a capacidade para determinar, de forma acurada, o efeito dos esteróides tópicos deglutíveis em relação à progressão da enfermidade, mas também, um fator limitante do desfecho de saúde. A não adesão aos tratamentos tem sido estudada por décadas, entretanto, dados mais recentes sugerem que intervenções de adesão que associam medicamentos aos hábitos, podem incrementar a adesão. A despeito dos efeitos potencialmente nocivos, a não adesão ao tratamento na EEo, e a crescente evidencia que sugere que a adesão pode ser melhorada, escassos estudos têm examinado o impacto da não adesão ao tratamento na EEo. Neste estudo, tratou-se de objetivamente avaliar as taxas de adesão aos esteróides tópicos deglutíveis em adolescentes com EEo, e analisar a associação entre a taxa de adesão e os fatores do paciente, incluindo aspectos da enfermidade, e a força do hábito de ingestão do medicamento.
Métodos
Foi realizado um estudo prospectivo sobre as taxas de adesão em adolescentes com EEo. Foram incluídos adolescentes com idades que variaram de 13 a 18 anos com EEo, os quais foram tratados com esteróides tópicos deglutíveis administrados por meio de um inalador. Os participantes tiveram as taxas de adesão monitoradas por 8 semanas, por meio de um sensor do inalador que possuía um microcomputador com capacidade para armazenar o número de inalações realizadas. Os participantes tinham acesso aos dados do sensor e podiam visualizar o número total de inalações realizadas bem como o número utilizado durante o dia corrente, porém não eram capazes de visualizar as taxas de adesão, considerados em percentuais ou em cálculos. Considerando que o sensor pode armazenar aproximadamente dados de 1 mês a cada tempo, os participantes foram solicitados a contextualizar uma figura no seu sensor para o time da pesquisa, no seguinte espaço de tempo: 0, 4 e 8 semanas. Este dado era então utilizado para calcular a taxa de adesão sobre o número total de inalações realizadas dividido pelo número total de inalações prescritos em um determinado período.
Resultados
Foram incorporados ao estudo, 21 adolescentes sendo 5 do sexo feminino e 16 do sexo masculino, com idades que variaram de 13 a 17 anos. 19 participantes se identificaram como brancos, enquanto os remanescentes se identificaram como multirraciais ou nativos americanos. 17 participantes (81%) usaram Fluticasone e 4 (19%) Ciclesonide. 19 pacientes utilizaram 2 doses por dia e 2 participantes apenas 1 dose por dia. Dois participantes relataram história de impactação alimentar que necessitou remoção endoscópica, e cinco relataram história de dilatação esofágica. Os valores dos sintomas de avaliação no momento basal, variaram de zero a 73, com média de 28,5 (+/-22,5), e mediana de 31. Os índices da qualidade de vida no nível basal variaram de 40 a 97 com média de 70,4 (+/-17,9) e mediana de 69. Os valores de auto comportamento ao nível basal variaram de 1 para 7, com média de 4,2(+/-1,4), e mediana de 4,3.
As taxas de adesão na quarta semana variaram de 50% a 376%. Dois participantes estavam recebendo uma dose marcadamente aumentada das suas medicações, cujas taxas variaram de 376% a 303%. Após a exclusão desses dois pacientes em relação aos remanescentes, as taxas variaram de 50% a 97%. Ao atingir a quarta semana, a taxa média de adesão foi de 70,6% (+/- 15,6%), e a mediana foi de 65% (variação de 62% a 87%). Ao cabo de 8 semanas a taxa média de adesão foi de 67% (+/- 19,4%) e a mediana foi de 63% (variação de 53% a 88%). As participantes do sexo feminino apresentaram média da taxa de adesão na 4° semana (85,2% vs. 65,4%, p=0.01). As taxas de adesão na quarta e oitavas semanas não estiveram associadas com a idade atual, a idade ao diagnóstico, raça, tipo de esteróide, número de aerossóis prescritos, frequência das doses, remoção da impactação alimentar, e história de dilatação esofágica.
Conclusões
Em resumo, os achados deste estudo sugerem que inúmeros adolescentes com EEo não se mostram aderentes aos seus regimes terapêuticos, e, tanto pode ocorrer sobre dosagem como sub dosagem dos esteróides deglutíveis. Vale salientar que esses achados sugerem que intervenções que objetivam uma melhoria na formação do hábito terapêutico, podem ter o potencial de melhorar a adesão ao medicamento no tratamento da EEo nos adolescentes, mas, além disso, ter um melhor prognóstico da doença a longo prazo.
Meus comentários
Está bem estabelecido que a EEo se trata de uma enfermidade crônica que pode responder de forma eficaz ao uso de esteróides deglutíveis associados a algumas restrições alimentares.
Entretanto, manter o uso constante de determinados medicamentos e/ou restrições alimentares por um longo período é uma árdua tarefa que envolve um esforço conjunto entre o paciente, seus familiares e o médico assistente. Após o sucesso inicial do tratamento medicamentoso e dietético, à medida que passa o tempo, começa a haver por parte do paciente, um desejo quase incontrolável de se livrar destas amarras, que indiscutivelmente são fatores limitantes para sua qualidade de vida. Ao desistir de uma ou ambas propostas terapêuticas alguns pacientes podem se tornar assintomáticos por um período variável, o que lhes dá a nítida e satisfatória sensação de cura definitiva. Isto, porém, não é o que ocorre com a maioria dos pacientes, posto que em algum momento no futuro, os sintomas voltam a apresentar recidiva, e, assim, uma nova rodada de endoscopia e retorno aos medicamentos fazem-se necessários, para que a enfermidade volte à acalmia.
Espécime de biópsia do esôfago em um paciente na fase sintomática da EEo evidenciando grande infiltrado eosinofílico com formação de granuloma na mucosa esofágica.
Assim seguimos a longa saga da EEo …
Referências Bibliográficas
- Mehta P. e cols. – JPGN 2023;77:532-535
- Haasnoot ML. e cols. – Am J Gastroenterol 2022;117:1412-8
- Mehta P. e cols.- J Pediatr 2021;235:242-52
- Heer J. e cols. – Digestion 2021;102:377-85