Investigações da função colônica em crianças: uma revisão pelo Grupo de Trabalho de Motilidade da ESPGHAN
Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto
A renomada revista JPGN publicou um artigo de revisão, em maio de 2022, intitulado “Colonic Function Investigations in children: review by the ESPGHAN Motility Working Group”, de Rybak A. e cols, que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.
Introdução
A motilidade é um componente essencial da fisiologia colônica, controladora de funções cruciais, tais como: propulsão, armazenamento e expulsão das fezes. Transtornos da motilidade colônica na Pediatria podem incluir uma enorme variedade de sintomas, abrangendo desde constipação a diarreia, distensão abdominal, dor abdominal e incontinência fecal. Vários métodos têm sido padronizados para investigar a função neuromuscular colônica, principalmente na última década, testemunhando muitos avanços técnicos, incluindo o desenvolvimento de sombras miniaturizadas, novos sistemas e dispositivos de determinação pressóricas. Ao mesmo tempo, a manometria de alta resolução tornou-se padrão de investigação, e, atualmente, está disponível em todos os centros pediátricos de motilidade de maior importância. O uso disseminado dessa técnica tem permitido uma melhor caracterização dos padrões motores colônicos e da função anorretal, auxiliando para uma melhor compreensão da fisiopatologia dos diferentes transtornos colônicos. A despeito da indubitável importância dessas novas técnicas desenvolvidas, métodos clássicos, tais como, a avaliação do tempo de trânsito colônico, tanto com o uso de marcadores radiopacos, como a cintilografia colônica, possuem vantagens e ainda mantem suas utilidades na avaliação clínica inicial em crianças com transtornos da defecação.
O propósito deste artigo é fazer uma revisão da literatura de todas as técnicas disponíveis para o estudo da motilidade colônica em crianças que apresentam potencial transtorno da motilidade, com a intenção de oferecer um guia prático para os médicos envolvidos neste tipo de cuidado.
Métodos
Estudo do trânsito colônico utilizando marcadores radiopacos (MRO)
O teste com MROs é o método mais largamente utilizado para o estudo do tempo de trânsito colônico, tanto total como parcial. O tempo de trânsito colônico total e/ou segmentar são estimados por meio da contagem do número de marcadores radiopacos ingeridos que permanecem no abdome, utilizando-se a radiologia abdominal simples, realizada em um tempo específico pré-determinado.
Classicamente, o uso do teste MRO permite a distinção entre trânsito colônico normal, constipação devido a trânsito lento e obstrução retal distal. Devidos aos riscos potenciais de exposições repetidas aos raios-X, o teste com MRO não é rotineiramente recomendado para a realização do diagnóstico de constipação funcional, e, somente deve ser utilizado para diferenciar constipação funcional da incontinência fecal funcional não retentora, quando o diagnóstico não está bem esclarecido. O teste fornece o diagnóstico com clareza e permite selecionar aquelas crianças que irão se beneficiar de investigações mais invasivas da motilidade. A Figura 1 demonstra as indicações do teste MRO no algoritmo do diagnóstico em crianças com constipação (Tabela 1).
O teste com MRO apresenta algumas limitações. Embora ele seja realizado para distinguir entre trânsito colônico normal, trânsito colônico lento e obstrução retal distal, não fornece informações a respeito da diferenciação entre dissinergia ou outras causas de obstrução retal distal (como por exemplo, aganglionose, anismo, retocele).
Vale ressaltar que a utilidade da determinação do tempo de trânsito colônico está limitada àquelas crianças que são capazes de deglutir as capsulas de MRO, que normalmente são misturadas com colher contendo líquido espesso ou na comida em forma de purê (Figura 2).
Cintilografia Colônica (CC)
A CC é uma técnica segura e não invasiva, utilizada como uma ferramenta diagnóstica em crianças com constipação crônica refratária. A CC auxilia para antever a função motora do colon e discrimina entre trânsito retardado colônico total, dismotilidade colônica localizada e obstrução retal funcional, por meio da presença do radionuclídeo no reto sigmoide. A CC também é indicada nos pacientes cuja cirurgia é levada em consideração nas condições e suspeitas de constipação devido a trânsito lento, quando a manometria colônica não se encontra disponível (Figura 3).
Manometria Colônica (MC)
A MC tem sido considerada como o padrão ouro para avaliar a função neuromuscular colônica nas crianças que sofrem de constipação crônica intratável. Trata-se de uma investigação segura e bem tolerada, e, sua disponibilidade tem se tornado cada vez mais presente nos centros terciários de atendimento. Levando-se em consideração a extensão e a natureza das anormalidades motoras colônicas a MC passou a ser considerada a ferramenta mais promissora como um guia terapêutico de última geração, incluindo o manejo farmacológico e cirúrgico nas crianças com transtornos intratáveis da defecação. Entretanto, até o presente momento, nenhum fator de previsão tem sido identificado para determinar o desfecho clínico do manejo pós cirúrgico.
As indicações e as características técnicas da MC estão bem estabelecidas na população pediátrica. A MC é utilizada como uma ferramenta diagnóstica em uma larga variedade de transtornos severos da defecação (Tabela 2 / Figuras 4, 5 e 6).
Cápsula Wireless (CW)
A CW trata-se de uma nova ferramenta não radioativa e minimamente invasiva para avaliar a função motora colônica. A maioria das investigações têm sido relatadas em adultos, e, há somente um estudo em Pediatria, que demonstra sua viabilidade e segurança em crianças maiores de 8 anos de idade, que apresentam sintomas do trato gastrointestinal superior. Em 2009, Rao e cols., realizaram um estudo multicêntrico administrando simultaneamente a CW e a MRO em 78 adultos com constipação versus um grupo controle de pacientes sadios. Não ocorreram quaisquer efeitos adversos nos pacientes que ingeririam a cápsula. O grupo de pacientes portadores de constipação evidenciaram tempo de trânsito significativamente mais lento no dia 2 e no dia 5 ao Raio-X e à CW. A mensuração do trânsito com a CW, correlacionou-se de forma significativa com aquela observada pela MRO em ambos os dias. Considerando-se a segurança da CW e seu baixo teor de invasão, ensaios clínicos em crianças são necessários para avaliar seu uso na Gastroenterologia Pediátrica.
Sistema de Rastreamento com Cápsula Eletromagnética (SRCE)
Uma abordagem alternativa para o estudo da função colônica está representada pelo uso do SRCE. O primeiro SRCE foi descrito por Hiroz e cols. em 2009, que consistia em um Sistema Estacionário de Rastreamento com Cápsula Eletromagnética, o qual baseou-se em um magneto permanente e requereu que o paciente fosse colocado em um leito não magnético durante o tempo total do exame. O Sistema foi progressivamente aperfeiçoado até 2014, quando os resultados passaram a ser demonstrados em 3D. Este novo sistema é capaz de rastrear simultaneamente a posição e a orientação de até 3 cápsulas eletromagnéticas, desde a ingestão até sua eliminação. O Sistema permite a monitoração do sinal entre 60 e 120 horas. Após a gravação se completar, os dados são levados a um computador e convertidos em 3D, usando um software específico.
Ressonância Magnética de Cinemotilidade (RMC)
Considerando-se os dados do uso da RMC para avaliar a motilidade gastrointestinal houve um avanço nos últimos anos, porém, a maioria dos estudos foram realizados em adultos. A RMC trata-se de uma ferramenta com a aplicação de uma técnica de alta resolução têmporo-espacial, para facilitar a dinâmica e permitir a visualização do diâmetro do lúmen intestinal.
Na literatura, a RMC está descrita na avaliação da acomodação e esvaziamento do estômago, na motilidade do íleo terminal em pacientes com Doença de Chron, e, no intestino delgado em pacientes com Pseudo Obstrução Intestinal Crônica.
Os benefícios da RMC permitem suplantar algumas limitações da manometria. A vantagem da RMC é o fato de não ser invasiva e não necessitar de sedação ou anestesia geral, o que em pacientes de baixa idade pode se tornar uma limitação e afetar a motilidade intestinal.
Resumo
Durante as últimas décadas, esforços substanciais têm sido realizados para a melhor avaliação da função neuromuscular colônica, como consequência da evolução das antigas tecnologias e a implementação de novas. É necessário levar em consideração que a mensuração do trânsito colônico não fornece uma mensuração direta da função neuromuscular colônica, por isso, um único estudo para avaliar a função motora colônica pode não ser suficiente, e, frequentemente, são necessários vários métodos para esta avaliação, dependendo da gravidade do problema e da sua interpretação no contexto clínico. A partir da aplicação das novas técnicas disponíveis atualmente, o planejamento cuidadoso de projetos de pesquisa multicêntricos em coortes pediátricas com constipação crônica devem ser levados a cabo.
Referências Bibliográficas
- Rybak A. e cols: JPGN 2022; 74: 681-92
- Nurko S. e cols: Pediatr Clin North Am 2017; 64: 593-612
- Hiroz P. e cols: Neurogastroenterol Motil 2009; 21: 838-57
- Rao SSC. e cols: Clin Gastroenterol Hepatol 2008; 7: 537-44
- Kappen LIN e cols. Neurogastroenterol Motil 2018; 30:e13401