Lesões de manchas vermelhas no bulbo duodenal são sinais endoscópicos altamente específicos de Doença Celíaca: Um estudo prospectivo
Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto
A renomada revista JPGN de fevereiro de 2019, publicou um importante artigo de autoria de Silvester J. e cols., intitulado “Red spot lesions in the duodenal bulb are a highly specific endoscopic sign of Celiac Disease: a prospective study ” que a seguir passo a abordar em seus aspectos de maior relevância.
INTRODUÇÃO
O reconhecimento de algumas características no duodeno durante a realização da endoscopia, pode induzir ao diagnóstico de uma, até então, não suspeitada Doença Celíaca (DC). Dentre os sinais endoscópicos, frequentemente relatados na DC, incluem um padrão de mucosa nodular ou em mosaico e, ausência ou achatamento das pregas Kercking, no duodeno distal. Outros sinais incluem profundas ranhuras na mucosa, vasos submucosos visíveis e erosões duodenais. Ainda que muitos desses achados sejam frequentes à atrofia vilositária, e mesmo assim podem não ser específicos para DC, eles têm sido relatados possuir sensibilidade moderada (40%-70%) e alta especificidade (maior que 90%) nas populações nas quais a DC é uma causa frequente de atrofia vilositária.
A utilização de técnicas de ampliação da imagem podem melhorar a acurácia do diagnóstico endoscópico. A Endoscopia de alta resolução e as técnicas de imersão em água, possibilitam a visualização das vilosidades individualmente. A imagem de banda estreita é um sistema que pode equipar um endoscópio com um filtro de banda estreita que seleciona as luzes azuis e verdes. Esses comprimentos de ondas são altamente absorvíveis pela hemoglobina e, assim sendo, facilitam a visualização dos aspectos vasculares de forma mais sensível do que a luz branca.
O presente trabalho avaliou um achado raramente observado na endoscopia, que pode estar associado a DC, qual seja, a existência de manchas vermelhas que aparecem como pequenos e discretos pontos vermelhos, sobrejacentes à mucosa, na ausência de uma lesão óbvia.
MÉTODOS
Desenho do Estudo
Esse estudo cego, endoscópico-histológico incluiu crianças de até 18 anos submetidas a esofagogastroduodenoscopia com a realização de biópsias duodenais, em pacientes com sintomas digestivos compatíveis com DC, no Boston Children’s Hospital, entre novembro de 2007 a outubro de 2008. Os sintomas de DC foram amplamente definidos por incluir dor abdominal, cólicas ou distensão, diarreia, constipação, náusea ou vômitos, perda do apetite, perda de peso ou ganho de peso insuficiente, refluxo gastroesofágico, intolerância aos lácteos e úlceras orais. Os achados endoscópios visuais associados a DC (nodularidade, ulceração, pregas achatadas, perdas das vilosidades mais além do bulbo duodenal ao exame macroscópico e as manchas vermelhas no bulbo duodenal) foram sistematicamente registradas em uma folha de escore anotada pelo endoscopista, imediatamente após o procedimento. As manchas vermelhas foram definidas por 2 ou mais lesões vermelhas pleiomórficas de 1 a 3mm, na ausência de ulceração.
Procedimentos Endoscópicos
Os endoscopistas foram treinados na técnica das imagens de banda estreita e utilizaram esta técnica e a da luz branca para visualizar a mucosa. Um mínimo de 6 fragmentos de biópsias foram obtidos, 2 deles do bulbo duodenal e 4 do duodeno distal. Foram realizadas as reações sorológicas para a pesquisa de DC: anticorpo anti-transglutaminase (IgA) e anticorpo anti-endomisio em todos os pacientes no momento da endoscopia.
Procedimentos Histológicos
Todos os fragmentos foram examinados por patologistas com experiência na área, que relataram a presença ou ausência de achados diagnósticos compatíveis com DC, de acordo com a classificação de Marsh.
Diagnóstico de DC
O diagnóstico de DC foi confirmado em pacientes com lesões Marsh II ou III, além da positividade para os anticorpos anti-transglutaminase ou anti-endomisio, ou resposta clínica positiva com a instituição dieta isenta de glúten durante 6 meses, nos pacientes soro negativos.
RESULTADOS
Um total de 171 crianças (53% meninas, com idade média de 9 anos) foram incluídas no estudo. Neste grupo de participantes 75 deles confirmaram os critérios para DC, posto que todos eles apresentaram lesão Marsh III. Os 96 pacientes que não preencheram os critérios diagnósticos de DC, serviram como controles. Os grupos DC e controle demonstraram similaridades com respeito a idade e apresentação clínica, exceto para a presença de uma prevalência maior de sintomas de refluxo gastroesofágico no grupo controle e uma maior prevalência de diabetes no grupo de DC (Tabela 1).
Aspectos endoscópicos
Um aspecto flagrantemente anormal do bulbo duodenal foi observado mais frequentemente nos pacientes com DC do que no grupo controle (72% versus 12%). Dentre os pacientes com DC, nodularidades (40%), manchas vermelhas (31%) e ulceração (3%), foram os achados mais frequentemente observados no bulbo duodenal (Tabela 2). A nodularidade e as lesões de manchas vermelhas, cada uma delas, foi significativamente mais frequente no bulbo duodenal no grupo DC do que no grupo controle. Embora qualitativamente diferentes, os achados no duodeno distal também foram significantemente mais frequentes entre os pacientes com DC do que o grupo controle. Nesta região a ausência de vilosidades, nodularidades e pregas achatadas, foram os achados mais frequentes.
Quando foi utilizada a imagem de banda estreita, houve um aumento das lesões de manchas vermelhas, inicialmente identificadas com a luz branca (Figura 1).
Sensibilidade e Especificidade dos sinais endoscópicos na DC
Todos os sinais endoscópicos apresentaram comparavelmente baixa sensibilidade e alta especificidade para DC (Tabela 2). Ainda que as lesões de manchas vermelhas tenham apresentado alta especificidade para DC, 6 pacientes que apresentaram estas manchas vermelhas no duodeno não apresentaram achados histopatológicos compatíveis com DC. Dentre estes, 2 tinham Doença de Crohn, 1 apresentou resolução dos sintomas utilizando a dieta isenta de glúten, ainda que os critérios histopatológicos para DC não se mostraram compatíveis, e 3 deles não tiveram um diagnóstico definitivo.
Associação das lesões e manchas vermelhas com o anticorpo anti-transglutaminase (IgA)
As lesões de manchas vermelhas mostraram-se significantemente associadas com níveis anormais do anticorpo anti-transglutaminase (IgA) 7% para tTG IgA <20 versus 33% para tTG IgA >20; P <0.0001).
DISCUSSÃO
Um maior conhecimento dos sinais endoscópicos da DC, pode levar a realização de biópsias com alvo objetivo, e esses achados aumentam o reconhecimento da DC entre pacientes que são submetidos a endoscopia alta, e nos quais o diagnóstico não é suspeitado. Embora seja difícil quantificar o número de DC não diagnosticadas, o tempo médio de intervalo entre o início dos sintomas e o diagnóstico, em pacientes adultos, encontra-se aproximadamente de uma década. Esses sintomas, em geral são indicativos de endoscopia pensando-se na síndrome do intestino irritável (SII) ou Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE), nos quais a biópsia duodenal pode não ser uma indicação rotineira.
As lesões de manchas vermelhas no bulbo duodenal podem passar desapercebidas, principalmente em comparação com os sinais endoscópicos específicos observados na DC, tais como: nodularidade, padrão em mosaico e pregas da mucosa achatadas. Nos pacientes submetidos a EDA indicada por sintomas gastrointestinais, a visualização das lesões de manchas vermelhas pelo endoscopista, pode imediatamente levantar a suspeita de DC e, desta forma, facilitar ao endoscopista para a realização de biópsias mais adequadas, tanto no bulbo duodenal quanto no duodeno distal.
Referências Bibliográficas
- Silvester, J e cols. JPGN 2019;68:251-55.
- Lebwohl, B e cols. Lancet 2017;6736:1-12
- Hnida, K e cols. J Biol Chem 2016;291:25542-5
- Shah, VH e cols Gastrointest Endosc 2000;51:717-20