Doença do Refluxo Gastroesofágico: uma atualização da apresentação, prevalência, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento – Parte 4
Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto
Parte 4: Tratamento
Estilo de vida
Medidas de estilo de vida para reduzir os sintomas do refluxo devem ser planejadas concomitantes às manifestações clínicas e devem ser recomendadas para todos os pacientes com a DRGE. Infelizmente, muitas instruções não são claramente definidas, pelos profissionais da saúde, para promover as modificações no estilo de vida, ou então, são oferecidas aos pacientes apenas listas impressas das atividades que devem ser seguidas, tais como, itens de alimentos a serem evitados, as quais os pacientes, em geral, encontram dificuldades em serem adotadas. Alguns pacientes relatam que certos alimentos específicos induzem aos sintomas da DRGE, incluindo cítricos, alimentos picantes, cafeína, chocolate e alimentos gordurosos. Entretanto, uma longa lista de restrições dietéticas apresenta um valor limitado na redução dos sintomas esofágicos.
A associação entre ganho de peso e sintomas da DRGE está bem estabelecida nos estudos populacionais; ganho de peso está também associado com o risco aumentado de esofagite erosiva e esôfago de Barret. Até mesmo modesto ganho de peso pode exacerbar os sintomas da DRGE, tanto em indivíduos não obesos como em obesos, particularmente nas mulheres. Consequentemente, a perda de peso e a redução da circunferência da cintura têm sido demonstrados como fatores de redução da DRGE, exposição ácida ao esôfago e eventos de refluxo pós-prandial.
Em virtude de os sintomas terem o costume de se exacerbar no período noturno, causando um fracasso no tratamento da DRGE, deve-se enfatizar as modificações no estilo de vida nos horários noturnos. A elevação da cabeceira da cama reduz os episódios de refluxo por proporcionar uma depuração ácida mais rápida e um menor número de sintomas de refluxo, quando comparada com a posição horizontal da cama. O tempo de exposição de ácido no esôfago é mais longo e a depuração de ácido é mais vagarosa quando o indivíduo se deita sobre o seu lado direito em comparação com o lado esquerdo, possivelmente porque a junção gastresofágica encontra-se acima do nível do pool de ácido, quando o indivíduo se deita sobre o lado esquerdo.
Inibidores da Bomba de Próton (IBP)
Os IBPs são os pilares do manejo terapêutico da DRGE, porque provocam o bloqueio, de forma irreversível, da bomba de próton presente nas células parietais do estômago. Os efeitos não são imediatos porque os IBPs necessitam se concentrar no canalículo secretor de ácido da célula parietal, antes de inibir a bomba de próton. A produção de ácido é suprimida até que umas novas bombas de prótons se regenerem, por essa razão o IBP deve ser administrado todos os dias para poder assim, assegurar uma supressão ácida continuada. Os IBPs não afetam os mecanismos fisiopatológicos do refluxo, nem tampouco reduzem os números dos eventos de refluxo; ao contrário, eles alteram o pH do material refluído tornando-o fracamente ácido ou alcalino. Para se obter uma ótima eficácia os IBPs devem ser ingeridos de 30 a 40 minutos antes das refeições.
Os sintomas típicos da DRGE são reduzidos por meio do tratamento com o IBP. Esse fato levou a prática de um ensaio terapêutico com IBP, ao invés de se realizar testes de investigação esofágica, nos pacientes que se queixam de azia desprovidos de sintomas de alarmes (Tabela 1).
O tratamento com o IBP de forma esporádica pode reduzir o ônus da utilização diária do medicamento para os pacientes, mas pode levar a uma satisfação sub-ótima no manejo dos sintomas, quando comparado com o tratamento contínuo com o IBP. A monitoração do pH esofágico nos pacientes com a DRGE bem definida, demonstrou um aumento do agravo de ácido no esôfago, nos dias em que os IBPs não foram administrados, em comparação com o tratamento contínuo.
A redução da dose do IPB para dias alternados ou sob demanda deve ser considerada analisando-se caso a caso; este tipo de tratamento mais provavelmente é benéfico para os pacientes que não apresentam esofagite erosiva de alto grau ou outras complicações da DRGE, tais com esôfago de Barret ou estenose péptica.
O uso a longo prazo do IBP tem sido implicado com vários efeitos adversos em grandes estudos populacionais, incluindo entre eles, diminuição da absorção de micronutrientes, infecções gastrointestinais e pulmonares, osteoporose e fraturas ósseas, ataque cardíaco, doença renal e demência. Entretanto, nenhum estudo prospectivo corretamente desenhado avaliou a causa e o efeito entre o uso do IBP e o surgimento destes efeitos adversos. Mais ainda, o uso do IBP adquirido sem receita médica, segundo a opinião de experts da área, não mascara os sintomas de doenças gastrointestinais graves tais como as neoplasias (Tabela 2).
Os IBPs têm demostrado uma clara vantagem no tratamento das síndromes que apresentam lesão da mucosa ou nas apresentações clínicas típicas da DRGE. A abordagem terapêutica inicial com o IBP demonstrou-se ter custo benefício positivo. Após a abordagem exitosa com o IBP, em nível secundário pode-se propor a incorporação dos antagonistas de receptores de H2.
Antagonistas do Receptor de H2 (H2RAs)
Os H2RAs bloqueiam as secreções ácidas competindo com os receptores de histamina na célula parietal gástrica. Os H2RAs promovem a cura em 41% dos pacientes com esofagite em comparação de 18% a 20% com placebo; ocorreu alívio da azia de 48% a 56% nos pacientes após 4-12 semanas de tratamento com os H2RAs. Há uma relação direta entre a dose dos H2RAs e o grau da cura esofágica, pois doses mais altas são mais eficazes do que as doses mais baixas. Entretanto, de uma maneira geral, as H2RAs são menos eficazes do que o tratamento com o IBP. As H2RAs são majoritariamente utilizadas como um degrau abaixo no tratamento para os pacientes com sintomas não complicados da DRGE, logo após a remissão dos sintomas induzida pelos IBPs. Entretanto, a terapêutica seguindo um degrau abaixo é geralmente apenas recomendado para os pacientes que não apresentam esofagite erosiva ou esôfago de Barret; nestes pacientes, o valor do tratamento continuado com o IBP é considerado ser mais significativo do que aquele com os H2RAs.
A adição dos H2RAs ao regime terapêutico com os IBPs, pode melhorar o controle da acidez gástrica com uma duração mais prolongada de pH intragástrico acima de 4, quando comparado ao IBP isoladamente. Os H2RAs, portanto, tem sido utilizado como um regime terapêutico auxiliar ao IBP, naqueles pacientes cujos sintomas não respondem adequadamente ao tratamento com o IBP.
Medicamentos auxiliares
Antiácidos são basicamente compostos de alumínio, cálcio ou magnésio primariamente utilizados em um manejo de sintomas esofágicos intermitentes, particularmente azia. A sua maior vantagem refere-se ao rápido alívio dos sintomas, porém, os antiácidos não fornecem alívio sintomático prolongado, cura da esofagite erosiva, nem tampouco previne complicações da DRGE.
Alginatos, são polissacarídeos presentes na parede celular de algas marinhas, que em meio aquoso podem formar uma solução coloidal viscosa ou um gel, que são particularmente úteis para a neutralização de uma bolsa de ácido, a qual consiste em uma camada de sobrenadante ácido no estômago proximal localizado acima do alimento ingerido. Alginato quando utilizado em combinação com um antiácido, provoca uma maior redução da azia e pode aumentar o controle dos sintomas em relação ao uso isolado dos IBPs.
Agentes pró-cinéticos (metoclopramida, domperidone, mozapride) em algumas ocasiões são considerados para o tratamento de pacientes com sintomas da DRGE, supostamente por aumentar o tonus basal do esfíncter esofágico inferior, facilitar a depuração esofágica do material refluído, e acelerar o esvaziamento gástrico. Entretanto, estudos de meta análise, randomizados, encontraram somente modestos alívios nos escores dos sintomas quando os pro-cinéticos foram acrescentados ao tratamento com o IBP. A combinação não aumentou o nível de cura da esofagite erosiva, nem tampouco melhorou o desempenho da motilidade esofágica, e, por outro lado, aumentou o risco de eventos adversos colaterais. É mais provável que esses agentes sejam benéficos primariamente na DRGE devido a um retardamento do esvaziamento gástrico, o que foi documentado por testes objetivos.
Manejo invasivo da DRGE
Cirurgia Antirrefluxo
A indicação da cirurgia antirrefluxo (CAR), após alcançar um pico em 2009, diminuiu significativamente na última década, como resultado de uma diminuição do entusiasmo tanto entre os médicos quanto aos pacientes. Considerando-se um paciente médio a CAR é buscada seguindo três possibilidades: (a) como uma opção de manejo de longo termo da DRGE sobrepondo-se ao tratamento médico, (b) devido a persistência de sintomas comprovados da DRGE ou a existência de lesão na mucosa esofágica a despeito do tratamento clínico máximo e (c) quando há uma ruptura estrutural significativa na junção esofagogástrica (por exemplo, uma grande hérnia de hiato).
A CAR verdadeiramente reduz os sintomas nos pacientes com DRGE provada, posto que 90% dos pacientes apresentam-se livre dos sintomas em até 10 anos de seguimento. Por outro lado, a CAR pode estar associada com distensão abdominal incomoda relacionada a incapacidade de eliminar o ar deglutido e, também, com uma percepção aumentada de distensão gástrica. Disfagia precoce é comum durante as 4-6 primeiras semanas após cirurgia, e a persistência da disfagia além de 12 semanas, pode ser consequência de anormalidades morfológicas na junção esofagogástrica, ou disfunção motora esofágica. A reoperação esofágica é relatada em até 16% dos casos em virtude da recorrência dos sintomas da DRGE ou por disfagia. Quando ocorre um fracasso da fundoplicatura, as razões frequentemente incluem equívoco na indicação, avaliação incompleta pré-operatória e a técnica cirúrgica inapropriada.
Aumento Magnético do Esfíncter
Um bracelete magnético de titânio encapsulado pode ser cirurgicamente implantado ao nível da junção esofagogástrica para aumentar o tônus do esfíncter esofágico inferior nos pacientes com DRGE sintomática. O bracelete permite a abertura do esfíncter para a passagem do alimento, porém evita o movimento retrogrado do conteúdo gástrico. O tamanho do bracelete pode ser adaptado para encaixar de forma individual na circunferência da junção esofagogástrica, e pode ser implantado laparoscopicamente com mínimas complicações intraoperatórias. O bracelete de titânio encapsulado pode, portanto, ser uma alternativa viável à cirurgia antirrefluxo, para os pacientes com a DRGE bem documentada, particularmente nos pacientes com regurgitação e que não apresentam uma ruptura estrutural significativa da junção esofagogástrica ou uma disfunção motora do corpo esofágico. Entretanto, as consequências de longo termo da implantação do bracelete de titânio devem ser mais bem compreendidas.
Terapêutica Endoscópica
Ao longo dos últimos 20 anos, inúmeros estudos foram realizados em relação às várias formas de intervenção endoscópica no manejo da DRGE, porém, a maioria delas foi abandonada em virtude de falta de eficácia e /ou complicações indesejáveis. Atualmente, somente 2 intervenções endoscópicas encontram-se disponíveis: a) aplicação de radiofrequência ao nível da junção esôfago gástrica e (b) fundoplicatura transoral desprovida de incisão.
Não respondedores ao Inibidores de Bomba de Próton (NR-IBPs)
Cerca de até 40% dos pacientes que sofrem de azia apresentam uma resposta incompleta ou falta de resposta à medicação com o IBP ingerido uma vez ao dia.
O aumento da adesão e a garantia de ser administrada uma dose apropriada do IBP são importantes estratégias para reduzir o uso abusivo de doses duplas do IBP (Figura 1).
Otimização
A percepção da gravidade dos sintomas da DRGE, o número de comprimidos consumidos ao dia, a idade, o sexo e o status social dos pacientes, aliados a outros fatores comprometem a adesão ao tratamento com os IBPs. A otimização da dosagem do IBP é uma parte integral do manejo dos pacientes que relatam uma resposta parcial ou mesmo ausência de resposta com a utilização da dose padrão do IBP; o aumento da adesão é necessário para obter os benefícios máximos destes medicamentos. Dividindo a dose padrão de um IBP, demonstrou-se ter um controle maior do pH intragástrico. Um dado muito importante é que a dose dividida fornece um melhor controle do pH intragástrico à noite.
Comorbidades psicológicas, estresse e hipervigilância são fatores que exacerbam os sintomas e necessitam, portanto, de maiores cuidados de saúde e afetam a resposta ao tratamento com o IBP. Intervenções precoces devem, portanto, ser consideradas naqueles pacientes que relatam resposta parcial ou ausência de resposta ao tratamento com o IBP. Entretanto, quando os sintomas persistem à despeito da otimização da terapia com o IBP uma vez ao dia, uma estratégia aconselhada é aumentar a dose para 2 vezes ao dia, e, com este procedimento, em geral se obtém alívio dos sintomas.
DRGE refratária versus Azia refratária
A DRGE refratária e a azia refratária têm sido utilizadas de forma intercambiável como consequência a um fracasso na resposta ao tratamento com os IBPs ingeridos em dose dupla diariamente. Entretanto, embora os termos representem cenários clínicos diferentes, são constituídos por grupos de pacientes não necessariamente diferentes. A DRGE refrataria é definida pelos sintomas causados pelo refluxo do conteúdo gástrico, mas que não respondem a uma dose dupla dos IBPs durante um período de 12 semanas de tratamento. A ênfase desta definição se baseia nos sintomas (azia e regurgitação) que estão claramente relacionados com o refluxo gastroesofágico. Para estes pacientes devem ser buscadas modificações no estilo de vida, dose apropriada do IBP, sua adesão ao tratamento, comorbidades psicológicas e sobreposição com transtornos esofágicos funcionais ou outros transtornos digestivos funcionais. A azia refratária, por outro lado, pode ser causada por vários mecanismos, tanto na ausência exclusiva da DRGE como associada à DRGE. A azia refratária é definida como aquela azia que não responde a uma dose dupla do IBP durante um período de 12 semanas de tratamento. Possíveis mecanismos de fracasso no tratamento incluem falta de adesão, dose inapropriada, redução da biodisponibilidade, rápido metabolismo do IBP, esofagite eosinofílica, dismotilidade esofágica, esvaziamento gástrico retardado, transtornos digestivos concomitantes e comorbidades psicológicas.
Transtornos esofágicos funcionais
A azia funcional consiste em queimação retroesternal com desconforto ou dor, com ausência do alívio dos sintomas a despeito de um tratamento anti-secretor ótimo.
Manejo da azia refratária
A avaliação da azia refratária tipicamente se inicia com a realização da EDA associada à biópsia para excluir a esofagite eosinofílica. No caso de a biópsia endoscópica ser negativa, os pacientes devem ser submetidos a monitoração ambulatorial para o refluxo, a qual pode ser realizada pela impedancio-pHmetria ou mesmo a pHmetria prolongada monitorada com uma cápsula de pH wireless.
Tratamento dos transtornos esofágicos funcionais.
Todos os pacientes portadores de transtornos esofágicos funcionais devem ser tranquilizados a respeito da natureza benigna dos seus sintomas. A maioria dos pacientes requer intervenção terapêutica, e, alguns podem necessitar um manejo mais aprofundado por psiquiatras, medicina alternativa, acupuntura ou por outros experts da medicina funcional (Tabela 3).
Conclusões
As estratégicas atualmente disponíveis, para o manejo da DRGE têm se baseado durante muitas décadas no desenvolvimento de medicamentos farmacêuticos e não farmacológicos, que têm considerado os riscos, embora limitados, da supressão crônica de ácido. Tem ocorrido um reconhecimento crescente de que os transtornos esofágicos funcionais são os mecanismos mais importantes da azia persistente. Os princípios básicos dos manejos da DRGE são os seguintes, a saber: utilização dos IBPs somente quando necessário, na menor dose que possibilite controlar os sintomas; otimização do tratamento quando os sintomas persistem a despeito do uso de dose única diária do IBP nos pacientes com DRGE comprovada; indicação de EDA e testes da função esofágica para determinar os mecanismos de geração dos sintomas, quando da persistência dos mesmos, a despeito do tratamento ótimo com o IBP ter sido proposto; considerar outros tratamentos clínicos, cirurgia antirrefluxo, ou intervenções endoscópicas, para os pacientes incapazes de tolerar ou que não desejam utilizar a supressão ácida. Neuromoduladores são os pilares básicos no manejo dos transtornos esofágicos funcionais.
Referências Bibliográficas
- Gyawall CP & Fass R – Gastroenterology 2018;154:302-18
- Roamn S et al – Neurogastroenterol Motil 2017;29:1-15
- Fujwara Y et al – Gastroenterol Clin North Am 2013;42:57-70
- El-Serag H – Dig Dis Sci 2008;53:2307-12