Refluxo Gastroesofágico e Doença do Refluxo Gastroesofágico: como estabelecer o diagnóstico diferencial

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Conceito

No caso do Refluxo Gastroesofágico (RGE) é necessário fazer uma diferenciação conceitual, ou seja, o que é denominado RGE “fisiológico” daquilo que se considera Doença do RGE. Regurgitação pode ocorrer em até cerca de 80% dos lactentes dentro do primeiro semestre de vida, e deve desaparecer progressivamente em 95% deles, sem qualquer intervenção, até o final do primeiro ano. Pesquisas clínicas realizadas nos EUA e Japão, em 2002, com base em um questionário elaborado para ser respondido pelos pais de lactentes considerados normais, em visitas de rotina ao consultório do Pediatra, revelaram que 67% dos seus filhos regurgitavam diariamente até os 4 mêses de idade, estes sintomas diminuiram para 21% aos 7 mêses e que apenas 5% deles ainda regurgitavam ao final do primeiro ano de vida. Este fenômeno ocorre porque quanto mais jovem for o lactente, ainda mais frequentemente em prematuros, há uma imaturidade na válvula que se encontra entre o final do esôfago e a entrada do estômago. Esta válvula, em condições normais, se abre apenas para dar passagem do conteúdo do esôfago para o estômago, em seguida se fecha e, assim, não permite que haja um retorno do conteúdo gástrico para o esôfago. Esta válvula chama-se Esfincter Esofágico Inferior (vide figura da motilidade esofágica extraída do livro Digestive System de Frank H. Netter) (Figura 1).

Quando esta válvula não se fecha adequadamente pode ocorrer o retorno do conteúdo gástrico para o esôfago o que caracteriza o RGE (Figura 2). O material refluido pode alcançar diferentes niveis apenas ao longo do esôfago, neste caso, denomina-se refluxo oculto. Porém, quando o material refluido alcança a boca, sem que haja qualquer esforço de contração muscular do abdome, e aí é eliminado para o exterior, denomina-se Regurgitação.

Caso esta manifestação não esteja acompanhada de outros sintomas que possam afetar a qualidade de vida do lactente, isto é, o lactente continua ganhando peso e crescendo normalmente dentro do seu canal de crescimento, a regurgitação mesmo que frequente, até prova em contrário, deve ser considerada como RGE “fisiológico”.

Esta situação é que os gastropediatras norte-americanos denominam de “happy spitter”, em tradução literal “regurgitadores felizes”. Vale a pena assinalar que 80% dos lactentes que apresentam RGE “fisiológico” regurgitam mais de uma vez ao dia, até mesmo mais do que 4 vezes ao dia, e, que não há diferenças significativas na incidência da regurgitação quanto ao tipo de aleitamento, natural (seio materno) ou artificial (mamadeira).

Consenso Internacional sobre a Doença do Refluxo Gastro-Esofágico 

No caso da Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRG) há uma grande variedade de definições empregadas tanto na literatura médica quanto na prática clínica. A inexistência de um consenso universal quanto a definição da DRG acrescida das possíveis diferentes manifestações clínicas observadas nas várias faixas etárias que é abrangida pela Pediatria, isto é, recém-nascidos, lactentes, pré-escolares, escolares e adolescentes, pode causar dificuldades para o clínico tanto na interpretação das pesquisas publicadas quanto na compreensão dos testes diagnósticos disponíveis para a caracterização da DRG. Portanto, há uma real necessidade de se estabelecer uma definição uniforme da DRG que venha atender as necessidades específicas de todas as faixas etárias pediátricas. Neste sentido, em abril de 2007, foi criado um grupo de trabalho que reuniu 9 “experts” internacionais da gastropediatria que, durante 1 ano por meio de revisões da literatura médica atual (artigos publicados em revistas médicas internacionalmente indexadas abrangendo pesquisas em seres humanos desde 1987 até 2007), contatos constantes via internet e conferências telefônicas, bem como reuniões presenciais, envidaram esforços para estabelecer um consenso internacional a respeito da definição e classificação da DRG em Pediatria (vide foto – Figura 3).

Figura 3- Membros componentes do Grupo de Trabalho (da esquerda para a direita): Eric Hassal (Canadá), Yvan Vandenplas (Bélgica), Benjamin Gold (EUA), Sibylle Koletzko (Alemanha), Philip Sherman (Canadá), Ulysses Fagundes Neto (Brasil), Seiichi Sato (Japão), Susan Orenstein (EUA) e Colin Rudolph (EUA).

Figura 3- Membros componentes do Grupo de Trabalho (da esquerda para a direita): Eric Hassal (Canadá), Yvan Vandenplas (Bélgica), Benjamin Gold (EUA), Sibylle Koletzko (Alemanha), Philip Sherman (Canadá), Ulysses Fagundes Neto (Brasil), Seiichi Sato (Japão), Susan Orenstein (EUA) e Colin Rudolph (EUA).

As declarações consensuadas (que se estabeleceram por votação secreta) que constam do documento elaborado pelo grupo de trabalho tem a intenção de servir para o desenvolvimento de futuros manuais de conduta clínica e, também, constituir a base de ensaios clínicos terapêuticos para oferecer o melhor manejo aos pacientes pediátricos portadores de DRG. O documento final foi apresentado parcialmente no 3ºCongresso Mundial de Gastroenterologia Pediátrica, Hepatologia e Nutrição realizado de 16 a 20 de agosto de 2008 em Foz do Iguaçú (vide foto – Figura 4), e, publicado na revista American Journal of Gastroenterology em 2009.

Figura 4- Foto da cerimonia de abertura do Congresso Mundial

Figura 4- Foto da cerimonia de abertura do Congresso Mundial

Nosso presente relato terá como base todos os aspectos que foram exaustivamente discutidos e acordados. Inicialmente é importante enfatisar que foram estabelecidas 3 faixas etárias distintas para melhor abordar o problema, a saber: recém-nascidos e lactentes (0-12 mêses), pré-escolares e escolares (1-10 anos) e adolescentes (11 – 18 anos).

1- Define-se DRG quando o conteudo refluido do estômago para o esôfago for a causa de sintomas problemáticos para o paciente prejudicando sua qualidade de vida e/ou causa de complicações digestivas ou extra-digestivas.

Nos pacientes adultos esta definição é centrada no relato do próprio paciente e apresenta um significativo grau de credibilidade, porém como na Pediatria nem sempre se pode apoiar na informação do paciente, este fato pode trazer inúmeros problemas de interpretação, dependendo da faixa etária. Foi consensuado que em crianças menores de 8 anos, devido às dificuldades de comunicação verbal, descrição da intensidade e localização da dor, esta queixa pode não ser totalmente crível e passa a depender muito do relato dos pais ou responsáveis pelo cuidado da criança, portanto, devendo ser interpretada com a devida cautela.

2- Os sintomas da DRG variam com a faixa etária

Nos adultos, sensação de queimação retro-esternal e regurgitação são sintomas característicos da DRG e o mesmo é verdadeiro para crianças maiores e adolescentes. Entretanto, em recém-nascidos, lactentes e pré-escolares, devido às dificuldades de comunicação verbal este problema passa a ser um tanto quanto subjetivo e, portanto, mais complicado. Em um estudo realizado nos EUA, em 1997, por meio da utilização de um questionário com pontuação diagnóstica, foram identificadas diferenças significativas na prevalência e intensidade da regurgitação, recusa da alimentação e episódios de choro mais frequentes entre lactentes com DRG comprovada por exame do pH do esôfago em comparação com lactentes saudáveis que serviram como grupo controle. No que se refere a episódios de choro vale a pena tecer algumas considerações. O chôro é também comum ocorrer em lactentes sadios de uma maneira geral; entre 1 e 3 mêses de vida, a duração média das crises de chôro é de 3 horas por dia. A duração média diária das crises de choro no 2º mês de vida é de 2 a 2,5 horas por dia, decrescendo com o crescimento. Dos 4 mêses até o final do 1º ano de vida a duração das crises de chôro permanece bastante constante em torno de aproximadamente 1 hora por dia. Portanto, as crises de chôro “chamadas” de inexplicáveis dependem muito de como o informante se sente influenciado e/ou preocupado com a existência de alguma doença que possa estar afetando a qualidade de vida do lactente. Devem, assim, ser interpretadas pontualmente levando-se em consideração cada caso.

Em estudos realizados no Canadá, em 2006, e na Europa, em 2002, investigando crianças de faixas etárias maiores, entre 1 e 17 anos, os autores observaram que tosse crônica, anorexia e/ou recusa da alimentação e regurgitação ou vômitos foram mais intensos em pré-escolares (1 – 5 anos) em comparação com crianças maiores. Por outro lado, em escolares e adolescentes (6 – 17 anos) os sintomas predominantes foram regurgitação ou vômitos, tosse crônica, dor epigástrica (imediatamente abaixo do ângulo do osso esterno) e queimação retro-esternal.

3- Nos lactentes a definição de “problemático” é um desafio, para a família e para o pediatra, posto que a maioria deles não manifesta uma sintomatologia objetiva que possa caracterizar clinicamente a existência da Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRG)

A maioria dos autores está de acordo que quando estamos nos referindo a recém-nascidos e lactentes a expressão “problemático” carrega consigo um alto grau de subjetividade. Por esta razão busca-se caracterizar um conjunto de sinais e sintomas que possam diferenciar de forma mais específica Refluxo Gastroesofágico fisiológico da DRG. Em geral, para que os pais ou cuidadores tenham a percepção de que a regurgitação passa a ser um “problema”, ou seja, se constitua na DRG, é quando ela está associada com aumento da frequência e do volume do material regurgitado, aumento do número e duração dos episódios de choro e irritabilidade, relato de desconforto ao regurgitar e constantes movimentos de arqueamento do corpo para trás.

4- Determinadas doenças de base presdispõem à DRG crônica e grave

Algumas enfermidades de base predispõem para a ocorrência de DRG crônica e grave, e também podem acarretar complicações que mais adiante serão abordadas. As doenças que apresentam comprometimento neurológico importante, tal como a paralisia cerebral, anormalidades esofágicas congênitas, como atresia de esôfago corrigida cirurgicamente ou hérnia diafragmática congênita, afecções pulmonares crônicas e doenças geneticamente determinadas como a fibrose cística do pâncreas apresentam grande probabilidade de vir acompanhadas com a DRG.

Enquanto que nos adultos algumas outras condições, tais como sobrepeso e obesidade, estão também associadas a uma significante maior prevalência e gravidade da DRG, nas crianças estes dados são escassos na literatura médica, muito embora também haja evidências bastante sugestivas da ocorrência desta associação.

5- DRG pode causar distúrbios do sono

Há relatos de crianças que são despertadas do sono com manifestação sintomática de asma e laringoespasmo com estridor laringeo.

6- DRG pode ser induzida por exercício físico intenso

Há relatos de casos de manifestação de DRG induzida por exercício físico intenso, muito provavelmente desencadeada por aumento significativo da pressão intra-abdominal.

7- DRG pode ser causa de episódios de Torcicolo (vide foto – Figura 5)

Está bem estabelecido que a DRG pode ser a causa de episódios de torticolo em crianças neurologicamente normais. Este quadro clínico recebeu a denominação de Síndrome de Sandifer.

8- Tosse crônica, laringite crônica, estridor laringeo e asma podem estar associados à DRG

Refluxo ácido, diretamente por via aspirativa ou indiretamente através de mediadores químicos por via neuronal que causam broncoespasmo, tem sido implicado como causa de asma. Vários estudos na literatura médica tem descrito maior prevalência de sintomas da DRG em crianças e adolescentes com asma do que em crianças sadias.

Refluxo ácido também tem sido descrito associado a sintomas de estridor laringeo.

9- DRG pode causar erosão dentária em crianças e adolescentes

Uma recente revisão sistemática de 17 trabalhos de pesquisa concluiu que crianças com a DRG apresentam um risco significativamente aumentado de desenvolver erosão dentária em comparação com crianças sadias, e, da mesma forma, esta assertiva vale para crianças com problemas neurológicos. Por esta razão é altamente recomendável a realização de inspeção rotineira da cavidade oral nas crianças e adolescentes com a DRG.

10- Refluxo gastroesofágico pode ser causa de apnéia em recém-nascidos

Uma relação causal entre refluxo e apnéia tem sido associada há muitos anos, especialmente em recém-nascidos e lactentes de baixa idade. Entretanto, esta associação poderia simplesmente estar relacionada a ambas condições que são frequentes nesta fase da vida. Investigações clínicas utilizando técnicas de medida do pH intra-esofágico tem demonstrado uma relação direta entre curtos episódios de apnéia fisiológica e refluxo em lactentes. Por outro lado, quando se considera lactentes com comprometimento neurológico deve-se levar em conta a possibilidade de um aumento da incidência de ambos, apnéia e refluxo.

Complicações da Doença do Refluxo gastro-Esofágico

Neste capítulo abordaremos as principais complicações da Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRG) (vide figura 6 para visualizar o aspecto normal da mucosa do esôfago).

A mais frequente complicação da DRG é sem dúvida a Esofagite de Refluxo (ER), ou seja, a inflamação da mucosa do esôfago causada pela presença constante de material ácido proveniente do estômago e que leva à sensação de queimação retro-esternal. Esta inflamação pode apresentar diferentes nuances de intensidade, as quais dependem de uma série de circunstâncias, tais como, frequência e tempo de duração dos episódios de refluxo, tempo de existência dos sintomas e mesmo da sensibilidade da mucosa do esôfago à exposição ácida (o que é uma variação individual). A evidência mais direta da existência da ER se dá por meio da realização da endoscopia digestiva alta, posto que durante a execução deste procedimento o examinador, já pode de imediato, identificar através do equipamento óptico as mais diversas graduações de intensidade do processo inflamatório, o qual se caracteriza pela presença de erosões na mucosa esofágica (vide figuras 7 e 8). Há, porém, um debate entre os diferentes especialistas da área quanto à necessidade ou não da realização do exame histológico obtido por biópsia para se estabelecer o diagnóstico de certeza da ER.

Nos adultos, a frequência e a intensidade dos sintomas da DRG apresentam, de uma maneira geral, boa correlação com a gravidade da lesão esofágica. Na Pediatria, em um estudo realizado no Canadá, em 2006, no qual foram avaliadas 127 crianças e adolescentes de 1 a 17 anos de idade que sofriam da DRG, e que foram submetidos à avaliação endoscópica, a prevalência e a intensidade de anorexia e/ou recusa alimentar foi significantemente maior naqueles que apresentavam ER em relação a aqueles que não apresentavam lesão da mucosa esofágica. Por outro lado, estudo realizado nos EUA, em 2005, em lactentes (portanto, em crianças menores de 1 ano de idade) as manifestações sintomáticas não foram suficientemente válidas para se prognosticar a existência de ER. Desta forma, o que se pode afirmar, no presente estágio dos conhecimentos, é que não é possivel prognosticar com maior grau de acurácia a intensidade da lesão da mucosa esofágica em pacientes pediátricos quando apenas nos baseamos nos sintomas.

Em uma minoria dos casos a DRG pode acarretar uma diminuição do lúmen do esôfago (estreitamento do conduto esofágico), a qual se denomina Estenose Esofágica (vide figura 9). Este estreitamento, que se dá por edema e pela substituição de tecido esofágico por tecido fibroso (portanto inelástico) impede, em um estágio inicial, a passagem de alimentos sólidos causando disfagia persistente. Disfagia progressiva pode levar inclusive à dificuldade de deglutir líquidos o que sem dúvida é um sinal de alarme e que deve ser cuidado com urgência. De qualquer forma, o estreitamento esofágico provocado pela DRG deve ser distinguido de outras possíveis causas, tais como por exemplo, ingestão de soluções cáusticas, ou mesmo, uma outra doença recentemente descrita denominada Esofagite Eosinofílica. Portanto, nestes casos impõe-se a realização de endoscopia com estudo histológico da mucosa do esôfago, obtida por biópsia, para se determinar a causa do estreitamento.

Outra possível complicação da ER é o que se denomina esôfago de Barret (vide figura 10). Embora esta complicação seja muito menos frequente em pacientes pediátricos em relação ao que se observa em pacientes adultos, ela soe ocorrer em crianças e adolescentes. Por exemplo, em um estudo realizado no Canadá, em 2007, metaplasia esofágica (presença de células de outro órgão na mucosa esofágica; neste caso presença de células características do estômago ou intestino delgado) foi observada em 10% das crianças que sofriam da DRG grave, e, em metade delas ocorreu a presença de células caliciformes (estas células, que são produtoras de muco, o qual recobre a superfície da mucosa intestinal para lhe conferir proteção contra as agressões do meio ambiente, são típicas da mucosa do intestino), portanto, tipicamente do intestino delgado, o que caracteriza de forma inconteste a existência de esôfago de Barret. É de fundamental importância frisar que esôfago de Barret é uma lesão pré-cancerosa, e, portanto, deve ser tratada com total atenção.

Métodos Diagnósticos da Doença do Refluxo Gastro-Esofágico

No que se refere aos testes funcionais do esôfago disponíveis para o diagnóstico do Refluxo Gastroesofágico (RG), houve, nestes últimos anos, grandes avanços tecnológicos. No presente, podemos dividir os testes existentes em diretos e indiretos, a saber:

Métodos Diretos

1- Radiologia contrastada com Bário; 2- Cintilografia Gastroesofágica com Tecnécio; 3- Monitoração prolongada do pH intraesofágico (pHmetria de 24 horas convencional); 4- Impedância Intraluminal Esofágica de Multicanais; 5- Sistema BRAVO de monitoração do pH esofágico

Métodos Indiretos

1- Manometria esofágica; 2- Manometria de Alta Resolução

Radiologia Contrastada – trata-se de um teste tradicional que oferece baixa eficácia para a caracterização do RG, porém ainda é um exame necessário porque pode evidenciar algumas anomalias anatômicas do trato digestivo, tais como hérnia de hiato, estenose hipertrófica do piloro, vício de rotação do intestino delgado, as quais podem ser causa dos sintomas de refluxo.

Cintilografia com Tecnécio – trata-se da ingestão de uma solução aquosa contendo o rádio-isótopo e seu trajeto é acompanhado por uma gama câmara (Figura 11). Também apresenta baixa sensibilidade, mas tem as vantagens de poder caracterizar refluxo alcalino e se realizada captação tardia (após 12 horas da ingestão) pode também detectar a presença do rádio-isótopo no pulmão, naqueles casos em que se suspeita de aspiração do material refluido.

pHmetria de 24 horas – este teste foi, durante muito tempo, considerado o “padrão ouro” para o diagnóstico de RG, além de caracterizar refluxo oculto na existência de esofagite por refluxo, detectar RG naqueles pacientes com sintomas extra-esofágicos e também para a avaliação do tatamento da DRG. Trata-se da monitoração do pH esofágico através da colocação de um eletrodo 5 cm acima do esfíncter esofágico inferior, o qual é conectado com um equipamento que registra as variações do pH esofágico durante 24 horas correlacionando-as com as diferentes atividades do paciente. Ao cabo das 24 horas o eletrodo é retirado e os registros detectados pelo equipamento são analisados em um computador através de um softwareespecífico. São estudados vários parâmetros relacionados à existência ou não da DRG, tais como: a- número de epísódios de refluxo ácido com pH abaixo de 4; b- número de episódios de refluxo com tempo superior a 5 minutos; c- porcentagem de tempo com refluxo; d- duração do episódio mais longo de refluxo. Portanto, permite estabelecer uma correlação entre o aparecimento do refluxo e o início dos sintomas através da seguinte fórmula: Índice de sintomas= sintoma relacionado ao refluxo/número total de sintomas (Figuras 12-13).

Entretanto, mais recentemente com a introdução de novas tecnologias, as quais serão em seguida abordadas, verificou-se que o conceito de “padrão ouro” já não se aplica mais à pHmetria de 24 horas porque foram caracterizadas várias limitações deste método, tanto no que diz respeito a resultados falso positivos (especificidade) quanto a resultados falso negativos (sensibilidade).

Impedância Intraluminal de Múltiplos Canais – Esta técnica foi introduzida em 1991 para monitorar o movimento do “bolo” alimentar no interior do trato gastrointestinal. A técnica se baseia na mensuração da impedância elétrica entre uma série de eletrodos colocados próximos entre si ao longo da extensão do esôfago conectados com uma sonda. A impedância a ser mensurada depende do conteúdo esofágico em contato com os eletrodos. Por exemplo, o ar possui uma alta impedância, enquanto que o líquido ingerido ou refluido possui baixa impedância. A presença de múltiplos eletrodos ao longo da extensão do esôfago permite detectar as alterações temporais-espaciais da impedância, possibilitando, assim, diferenciar se o líquido ou ar foi deglutido ou refluído (Figuras 14-15-16). Vários estudos de validação desta técnica tem confirmado elevada sensibilidade e acurácia na detecção do refluxo, bem como acompanhar o movimento do “bolo” alimentar intraesofágico. O refluxo de líquido ou gás é detectado por uma diminuição progressiva da impedância no sentido oral iniciando-se esta diminuição no eletrodo colocado na posição mais distal do esôfago (imediatamente acima do Esfínter esofágico inferior). Vale salientar que o “bolo” alimentar também pode ser seguido ao longo dos segmentos adjacentes da impedância. A entrada do “bolo” alimentar em cada segmento da impedância reflete em uma queda de 50% do seu valor, enquanto que um incremento de 50% sobre o seu valor basal, se correlaciona com a saída do “bolo” alimentar deste determinado segmento.

Impedância Intraluminal de Múltiplos Canais combinada com a pHmetria de 24 horas – Este procedimento de monitoração do esôfago possibilita a detecção de ambos os tipos de refluxo, ácido e não ácido, porque identifica o movimento de fluído retrógrado para o interior do esôfago. Desta forma esta combinação de monitoração permite a detecção do refluxo independentemente do valor do pH do material refluido. Esta metodologia de investigação tem sido demonstrada ser a de mais alta sensibilidade para a detecção dos episódios de refluxo, posto que permite detectar também os refluxos não ácidos (alcalinos ou fracamente ácidos) e, assim, elimina os resultados falso negativos. A adição da medida do pH faz-se necessária para a caracterização do refluxo ácido. Recentemente foi estabelecido um consenso entre experts da área para definir a nomenclatura dos padrões de refluxo detectados pela combinação dos métodos impedância-pHmetria. O refluxo é considerado ácido quando o pH esofágico for inferior a 4; quando o pH esofágico baixa de uma unidade mas ainda se mantém acima de 4 e abaixo de 7 o refluxo é denominado fracamente ácido; o termo refluxo alcalino é reservado para os episódios de refluxo cujo pH esofágico seja superior a 7 (Figuras 17-18-19-20).

Sistema BRAVO de monitoração do pH – trata-se de um novo sistema “wireless” de monitoração do pH esofágico, e que possui as seguintes vantagens: 1- por ser “wireless” elimina o incômodo e o estigma social da presença de um catéter nasal; 2- a monitoração esofágica se extende por 48 horas o que permite uma avaliação mais realística; 3- como se trata de uma cápsula controlada por telemetria é colocada por via oral por meio da endoscopia, localizando-a 6 cm acima do esfíncter esofágico inferior; 4- como pode permanecer por 48 horas tem a possibilidade de detectar a existência de refluxo que por ventura não tenha sido detectado nas primeiras 24 horas, e isto pode ocorrer em até 30% dos casos; 5- causa menor impacto sobre as atividades normais diárias, o que lhe confere uma característica mais fisiológica de avaliação.

Por outro lado não são apenas vantagens que esta nova técnica oferece. Há também alguns efeitos colaterais que podem ocorrer devido à presença da cápsula aderida à parede do esôfago, tais como: 1- falha na aderência à parede do esôfago; 2- dor torácica que em algumas ocasiões obriga a retirada da cápsula; 3- sensação da presença de um corpo extranho no esôfago.

Dentre os Métodos Indiretos, atualmente, tem sido dado grande valor à Manometria de Alta-Resolução, porém esta técnica é extremamente dispendiosa e se encontra praticamente disponível apenas para estudos de investigação clínica.

Conduta no Refluxo Gastroesofágico Fisiológico (RGF)

Como já foi anteriormente mencionado a ocorrência de regurgitação no primeiro ano de vida, em especial nos primeiros 4 mêses de existência, é bastante elevada devido à imaturidade dos mecanismos anti-refluxo. As principais barreiras anti-refluxo podem ser divididas para efeito didático em 2 grupos:

1- Ações que facilitam o escoamento do alimento deglutido:

Peristaltismo do esôfago
Força da gravidade
Esvaziamento gástrico

2- Fatores anatômicos: 

Esfínter esofágico inferior (EEI)
Ângulo formado entre a junção do esôfago com o estômago

A partir do processo de maturação destes mecanismos em especial do EEI, o qual funciona como a mais importante válvula de barreira anti-refluxo, passa a ocorrer uma acentuada queda na incidência dos episódios de regurgitação para aproximadamente 1% em torno dos 12 aos 15 mêses de idade.

Tranquilizar os pais

Apesar do RGF ser praticamente desprovido de complicações de maior importância, a ocorrência de episódios frequentes de regurgitação, geralmente associada a crises de irritabilidade, choro persistente e distúrbios do sono, gera alto grau de ansiedade nos pais. Cêrca de 70% dos pais buscam atenção médica porque consideram a regurgitação um problema grave e tem a expectativa de que uma possível intervenção terapêutica venha solucionar o problema. Nestes casos é importante tranquilizar os pais explicando-lhes a natureza fisiológica do processo e ao mesmo tempo dar-lhes a segurança de que estes episódios de regurgitação tendem a diminuir ao longo do primeiro ano de vida.

Manejo Dietético

Além das considerações acima referidas a utilização de fórmulas lácteas espessadas tem trazido bons resultados para minorar os sintomas do RGF. O espessamento das fórmulas infantis vem sendo recomendado desde o início dos anos 50 como primeiro passo no tratamento do RGF. No passado, o emprego de fórmula láctea de rotina espessada com cereal mostrou-se capaz de reduzir as regurgitações nos lactentes com RGF, porém, quando amido de cereal é adicionado à fórmula láctea nas quantidades habitualmente empregadas (1 colher das de sopa para cada 30 ml de fórmula), o perfil dos nutrientes da mistura resultante desvia-se acentuadamente das recomendações nutricionais para o primeiro ano de vida. Atualmente é sabido que lactentes, mesmo nos primeiros meses de vida, são capazes de digerir pequenas quantidades de amido. Demonstrou-se que nos 3 primeiros meses de vida os lactentes podem digerir satisfatoriamente quantidades de amido “in natura” da ordem de 10 a 25 gramas por dia, ou seja, 5,5 a 6,0 gramas por kg de peso corporal por dia, porque a amilase salivar e a glicoamilase duodenal podem compensar a deficiência fisiológica da amilase pancreática.

Vale enfatizar que embora a prática do espessamento das fórmulas lácteas seja útil para reduzir o RGF, ela resulta em uma elevada densidade calórica às custas de calorias fornecidas por carboidratos, com uma consequente diminuição percentual das calorias fornecidas pelas gorduras. Fórmulas lácteas “anti-regurgitação”, comercialmente disponíveis, evitam estes desequilíbrios de nutrientes. Considerando-se que o volume, osmolaridade, densidade calórica e digestibilidade da fórmula láctea, todos em conjunto podem influenciar para atenuar o RGF, as modificações dietéticas constituem-se no “medicamento” não farmacológico mais comum e eficaz anti-regurgitação.

Em passado recente (Fagundes Neto e cols. Rev. Paul. Pediatria, vol. 19, 2001) avaliaram a eficácia de uma fórmula láctea pré-espessada na redução dos sintomas associados ao RGF em lactentes bem como a manutenção de um ganho ponderal adequado. Tratou-se de uma investigação clínica multicêntrica envolvendo 54 lactentes entre 22 e 140 dias (Média 74,1 dias) atendidos em consultórios pediátricos de diferentes regiões do Brasil. A seleção dos pacientes baseou-se na história clínica sugestiva de RGF. Todos os lactentes estavam sendo alimentados exclusivamente com fórmulas lácteas de rotina e apresentavam queixa de 5 ou mais episódios de regurgitação por dia. Durante 2 semanas os lactentes receberam uma fórmula pré-espessada à base de leite de vaca, na qual 30% do teor de lactose foi substituído por amido de arroz. Os pais foram instruidos para registrar o número das regurgitações por dia, bem como a presença ou ausência de outros sintomas, tais como, irritabilidade, distúrbios do sono, recusa alimentar, flatulência, diarréia ou constipação. O número médio de regurgitações revelou um decréscimo significativo e o ganho ponderal médio foi de 31,9 gramas por dia durante as 2 semanas de estudo. Também foram observadas diminuições significativas na ocorrência de irritabilidade, distúrbios do sono e flatulência. Em conclusão, o presente estudo revelou que sintomas de RGF podem ser significantemente atenuados mediante o uso de fórmula pré-espessada, a qual também assegurou adequado ganho ponderal. Vale a pena referir que outros estudos com desenho clínico similar ao nosso encontram-se disponíveis na literatura médica internacional, realizados tanto nos EUA como na Europa, os quais reafirmam os resultados por nós obtidos (Vanderhoof e cols. Clin Pediatr 2003;42:483-95, Vandenplas e cols. Acta Pediatr 1998;87:462-8).

Recentemente, em 2007, um estudo realizado em Taiwan (Nutrition 23:23-8) , teve por objetivo comparar o efeito de uma fórmula láctea espessada com cereal em relação ao tratamento postural sobre a regurgitação, ganho ponderal e esvaziamento gástrico em lactentes. A investigação envolveu lactentes alimentados exclusivamente com fórmulas lácteas, com idades que variaram de 2 a 6 mêses, que apresentavam regurgitações e/ou vômitos por pelo menos 3 vezes ao dia. Os lactentes foram distribuidos ao acaso em 2 grupos para serem submetidos às seguintes intervenções durante 8 semanas, a saber: 1- fórmula espessada com cereal e 2- colocados em posição erecta após as mamadas durante 90 minutos. Cintilografia com Tecnécio 99m diluido em leite foi realizada antes e após o período de intervenção para avaliar o tempo de esvaziamento gástrico. Houve uma diferença significativa na diminuição da frequência das regurgitações favorecendo os lactentes do grupo 1 em relação aos lactentes do grupo 2. Não houve diferenças significativas entre os grupos quanto ao tempo de esvaziamento gástrico, porém os lactentes do grupo 1 apresentaram ganho ponderal significativamente maior que seus pares do grupo 2. Os autores concluiram, neste estudo, que o emprego de fórmulas lácteas espessadas são mais eficazes no controle da regurgitação do que o manejo postural. Além disso, também constataram que o uso de fórmula láctea espessada com cereal proporcionou maior ganho ponderal e de comprimento em comparação com lactentes que receberam fórmula láctea de rotina associada a manejo postural.

Tratamento Medicamentoso da Doença do Refluxo Gastroesfágico

Nos EUA cerca de 44% da população refere sofrer de queimação retro-esternal pelo menos uma vez por mês, e, destes aproximadamente 20% apresenta a mesma queixa semanalmente. Muito embora as estimativas variem, dados recentes permitem afirmar que entre 50-70% da população geral que sofre da DRG não apresenta evidências macroscópicas de esofagite à endoscopia. A despeito disto estes pacientes referem sintomas similares em intensidade e frequência a aqueles que apresentam esofagite por refluxo. Consequentemente, eles também sofrem um impacto negativo na sua qualidade de vida.

Tanto em indivíduos sadios como nos pacientes que sofrem da DRG o relaxamento transitório do esfíncter esofágico inferior (EEI) é isoladamente o mecanismo mais comum que acarreta a ocorrência do refluxo gastroesofágico. Os relaxamentos transitórios do EEI podem ser definidos como espontâneos, abruptos, prolongados ou completos. Estes relaxamentos constituem-se no mecanismo fisiológico pelo qual o ar deglutido pode ser expelido via retrógrada pela eructação. A distensão gástrica, a qual dentro das circunstâncias fisiológicas provocada pela alimentação, representa o estímulo mais importante para deflagrar o relaxamento esfincteriano. Embora possa ocorrer refluxo fisiológico em indivíduos sadios, a existência de refluxo prolongado ou excessivo pode provocar grave lesão na mucosa esofágica. A esofagite pode progredir desde uma lesão microscópica até a forma mais intensa como a esofagite erosiva, a qual se caracteriza por erosões e úlceras na mucosa esofágica. Aproximadamente entre 30-50% dos pacientes que buscam tratamento dos sintomas da DRG apresentam evidência endoscópica de esofagite erosiva. Ainda que o alívio dos sintomas e a cicatrização das lesões possam ocorrer em curto prazo de tempo, devido a um tratamento adequadamente instituido, a esofagite erosiva é uma afecção crônica potencialmente recidivante e que requer terapêutica de manutenção na maioria dos pacientes. Cerca de até 80% dos pacientes sofrem recaida das lesões esofágicas nos próximos 6 meses subsequentes à suspensão do tratamento.

A DRG representa um grande desafio para ser tratada porque se constitui em uma entidade clínica que não apresenta marcadores objetivos nos quais se possam basear para estabelecer o diagnóstico e avaliar o tratamento. Ainda que a patogênese da esofagite seja resultante do refluxo do conteudo gástrico (particularmente ácido clorídrico e pepsina) para o esôfago, a maioria dos pacientes não desenvolve esofagite erosiva e/ou suas complicações. Além disso, como algum grau de exposição ao conteudo gástrico pode ser considerado normal e bem tolerado, os sintomas do refluxo parecem ser mais o resultado de uma anormalidade quantitativa do que qualitativa. Deve-se agregar, também, que outros fatores externos entram em jogo para corroborar com as manifestações clínicas, tais como, problemas que envolvem o sistema nervoso central, co-morbidades psico-sociais, tipo de dieta, os quais tem sido demonstrados influenciar tanto no grau de intensidade quanto nos momentos do aparecimento dos sintomas.

A DRG resulta da exposição anormal da mucosa esofágica ao material refluido do estômago. A DRG afeta cerca de 20% da população adulta do mundo ocidental e representa o maior risco para o desenvolvimento de estenose péptica do esôfago (estreitamento da luz do esôfago devido a exposição ácida gástrica), sangramentos, esôfago de Barret e adenocarcinoma do esôfago. De fato, a manutenção do pH gástrico acima de 4 é considerado como o fator mais importante para se prognosticar a taxa de cicatrização da esofagite por refluxo, e, consequentemente, prevenir suas potenciais complicações. Além disso, uma adequada supressão do ácido pode ser especialmente útil para confirmar uma relação direta causa-efeito entre refluxo e os vários possiveis sintomas extra-esofágicos da DRG, tais como, dor no tórax, asma, sinusite crônica e laringite crônica. Há nítidas evidências proporcionadas pela pHmetria de 24 horas que existe uma relação direta entre o grau e a duração da exposição ácida no esôfago e a intensidade da lesão da mucosa esofágica. A proporção de tempo dentro das 24 horas do dia com pH intra-esofágico abaixo de 4 está diretamente relacionada com a progressão dos achados endoscópicos, os quais podem variar desde ausência de esofagite até para a existência das formas mais graves. Além disso, aceita-se que pH 4 é o valor limítrofe inferior para discriminar entre refluxo normal e patológico. Por outro lado, a cicatrização da lesão da mucossa esofágica está diretamente relacionada com a duração da supressão da acidez intra-gástrica com a manutenção do seu pH acima de 4.

Atualmente, os medicamentos considerados como os inibidores da bomba de proton (Hidrogênio) (IBP) representam a principal arma terapêutica disponível para combater os sintomas da DRG, independentemente da existência ou não de esofagite por refluxo. De acordo com os manuais de conduta norte-americanos e europeus os IBP são considerados o meio mais eficaz para garantir um alívio rápido dos sintomas e para a cicatrização da esofagite. Os IBP são mais eficazes para inibir a secreção ácida gástrica porque atuam inibindo a via final comum da secreção ácida, ou seja atuam sobre a enzima H+/K+ ATPase, a qual está localizada na membrana canalicular secretora da célula parietal gástrica, que é a responsavel pela produção do ácido clorídrico. A maior eficácia dos IBP quando comparados com os antagonistas do H+, como é o caso da ranitidina, no controle da secreção ácida, é atribuida à sua ação direta inibindo o efeito secretor das células parietais gástricas. Além disso, a ação dos IBP tem efeito mais prolongado porque eles formam uma ligação covalente com a enzima H+/K+ ATPase, neutralizando sua ação. Os IBP uma vez absorvidos para a corrente sanguínea mantem-se relativamente estáveis em pH superiores a 3, sendo ativados apenas nos tecidos aonde o pH encontra-se abaixo de 3.

O primeiro agente IBP disponivel no mercado foi o Omeprazol, e, depois dele vários outros medicamentos de composição química similar vieram a ser lançados e também já se encontram disponiveis, a saber: Lansoprazol, Pantoprazol, Esomeprazol e Rabeprazol. Há na literatura médica inúmeros ensaios clínicos comparando a eficácia destes medicamentos entre si com resultados bastante variáveis quanto às conclusões, dependendo do desenho do estudo proposto, do tempo de uso, das doses utilizadas e do número de tomadas ao dia. De qualquer forma, os resultados são sempre altamente positivos com todos eles e a escolha de um determinado IBP vai depender essencialmente da experiência e da confiança pessoal do profissional médico com um determinado medicamento na sua prática clínica diária.

Tratamento cirúrgico da Doença do Refluxo Gastro-Esofágico (DRGE)

Deve-se sempre ter em conta que o tratamento cirúrgico bem como o tratamento medicamentoso não atuam diretamente sobre a causa do problema, ou seja, a hipotonia (relaxamento) do esfíncter esofágico inferior. O tratamento medicamentoso não restaura os mecanismos de barreira anti-refluxo e, em geral, é necessário seu emprego por longos períodos de tempo. Uma proporção significativa de crianças apresenta um volume considerável de refluxo, tornando, nestes casos, ineficazes os medicamentos inibidores da bomba de proton (ácido clorídrico). De qualquer forma o tratamento cirúrgico deve ser considerado como uma escolha excepcional, posto que ele não é isento de complicações importantes ou mesmo apresentar insucesso em eliminar o refluxo. Preferencialmente, para ser indicado um possível tratamento cirúrgico devem ser levadas em consideração as seguintes condições: 1- presença de recidiva crônica da DRG, na existência ou ausência de esofagite por refluxo, ou seja, quando o paciente ao longo de 3 anos de seguimento ainda necessitou receber tratamento à base dos inibidores de bomba de hidrogênio durante mais de 50% do tempo; 2- quando a resposta ao tratamento com inibidores da bomba de próton se mostra ineficaz; 3- quando o paciente não adere de forma adequada ao tratamento medicamentoso, e, portanto, volta a apresentar sintomas da DRG.

A técnica cirúrgica clássica é a fundoplicatura de Nissen, que se baseia em construir plicaturas na mucosa/sub-mucosa gástrica abaixo do esfíncter esofágico inferior com a intenção de melhorar sua função pelo aumento da barreira anti-refluxo. Tem sido demonstrado que este procedimento reduz a frequência dos relaxamentos transitórios do esfíncter esofágico inferior e, também, aparentemente produz um discreto aumento do tonus do esfínter esofágico inferior. O procedimento cirúrgico pode ser realizado por laparoscopia sendo, portanto, considerado minimamente invasivo e, além disso, tem-se obtido sucesso em cêrca de aproxidamente 90% dos casos quando realizado por profissionais experientes. Entretanto, pode apresentar complicações importantes, tais como, disfagia, incapacidade de eructação, diarréia e distensão abdominal gasosa. Nos casos de recidiva dos sintomas de refluxo a repetição do procedimento pode ser um grande desafio técnico em virtude da possível formação de aderências como efeito colateral da primeira intervenção.

Recentemente, um grupo de cirurgia pediátrica do Hospital La Paz (Madri, Espanha) publicou sua experiência sobre os casos que fracassaram a uma primeira operação e que necessitaram ser submetidos a reoperação para o tratamento da DRG (Aguilar R e cols., Cir Pediatr; 21:92-5, 2008). Foi realizada uma revisão restrospectiva de 1992 a 2006. Neste período 19 (7,5%) dos 252 pacientes necessitaram uma reoperação. O período médio de tempo entre a primeira e a segunda fundoplicatura foi 1,6 anos (variação de 1 mês a 5,5 anos). As razões do fracasso da primeira cirurgia foram: 8 casos de ocorrência de hérnia do hiato esofágico, 4 de incompetência da sutura, 2 de deiscência da sutura e em 5 casos não se pode estabelecer a causa do fracasso da primeira cirurgia. Não houve nenhuma morte entre estes pacientes. Após um período médio de 5,3 anos de seguimento 17 (89,4%) dos 19 pacientes permanecem assintomáticos e não necessitam qualquer outra intervenção terapêutica.

Muito recentemente um novo procedimento considerado minimamente invasivo foi proposto para realizar a fundoplicatura de Nissen. Trata-se da gastroplicatura por via endoscópica denominada EndoClinch. Um grupo inglês, liderado por um renomado profissional da área, Mike Thomson, publicou sua experiência no Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition no número de fevereiro de 2008, utilizando esta técnica que foi inicialmente proposta para pacientes adultos por Swain, em 1999. Seus resultados iniciais revelaram-se bastante promissores, posto que esta técnica mostrou ser um procedimento seguro e, que ao mesmo tempo, foi capaz de proporcionar melhor qualidade de vida aos seus pacientes, embora o período de avaliação pós-cirúrgica ainda seja curto, não superior a 3 anos. Ocorreu uma significativa diminuição na frequência e intensidade da queimação retro-esternal, vômitos e regurgitação em 56% dos pacientes durante este período de seguimento, sem que os mesmos tivessem a necessiade de receber tratamento medicamentoso associado. Nos outros pacientes bom controle dos sintomas foi obtido com redução significativa da dose dos inibidores da bomba de próton, os quais previamente à cirurgia não se mostravam eficazes para combater os sintomas do refluxo.