Elucidando dilemas diagnósticos da Esofagite Eosinofílica com a utilização da neurotoxina derivada do eosinófilo do epitélio esofágico
Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto
A renomada revista JPGN publicou um artigo de revisão, em setembro de 2023, intitulado “Addressing diagnostic dilemmas in eosinophilic esophagitis using esophageal epithelial eosinophil-derived neurotoxin”, de Jessina Thomas e cols., que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.
- Introdução
A Esofagite Eosinofílica (EEo) é considerada uma enfermidade clínica patológica do esôfago. Os atuais critérios diagnósticos requerem a presença de sintomas de disfunção esofágica, pico de contagem eosinófilos ≥15 eosinófilos por campo de grande aumento em pelo menos um nível do esôfago, e, a exclusão de outras causas de eosinofilia esofágica. Entretanto, o diagnóstico pode ser desafiador em virtude da falta de achados patognomônicos ao exame físico ou endoscópicos; distribuição focal de células eosinofílicas no esôfago as quais podem não estar adequadamente representadas em todas as biópsias; variabilidade na quantificação da contagem de eosinófilos; dificuldade em diferenciar EEo da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE); e das altas taxas de degranulação dos eosinófilos que podem levar a avaliações inacuradas com a coloração de hematoxilina-eosina. Por esta razão, a confiabilidade e a contagem de eosinófilos fornecem somente uma compreensão limitada da enfermidade e não possibilita caracterizar a atividade secretora e citolítica do eosinófilo.
Eosinófilos contem grânulos proteicos tóxicos que podem ser pesquisados como potenciais marcadores biológicos para a presença e a atividade dos eosinófilos. Um desses marcadores, a neurotoxina produzida pelo eosinófilo (NTE) tem se demonstrado promissora no diagnóstico e no monitoramento de enfermidades inflamatórias mediadas por alergias incluindo asma e eczema. Estudos prévios realizados no Orlando Health Arnold Palmer Hospital foram estudados níveis da NTE em 4 grupos, a saber: EEo em atividade, EEo em remição (inativa), refluxo e grupo controle. Os testes foram validados para estes 4 grupos, e, comprovadamente uteis nos pacientes EEo negativos para descartar EEo. Além disso, a NTE ≥10mcg/ml quando coletada através de raspagem do epitélio esofágico mostrou-se altamente sensível (97%) e específica (89%) para EEo ativa.
No presente estudo foi considerada a hipótese de que mensurando as concentrações da NTE através da raspagem do epitélio esofágico pode ser um fator de ferramenta adicional diagnóstica para EEo especialmente considerando-se dois cenários desafiadores específicos: (1) casos de eosinofilia esofágica exclusivamente distal, e, (2) casos de achados endoscópicos e histológicos discrepantes entre si. Estes cenários específicos geralmente provocam dilemas diagnósticos para os gastroenterologistas. Casos de eosinofilia esofágica exclusivamente distal podem representar DRGE ou EEo, levando a um risco de diagnóstico equivocado. Além disso, caso os achados endoscópicos sejam intensos, mas os achados histológicos revelam-se normais, os médicos podem questionar a validade das amostras de biópsias obtidas, acarretando possivelmente a realização de novos testes desnecessários e postergando o tratamento. A adição da mensuração da NTE por meio da raspagem do epitélio esofágico considerando-se o atual critério diagnóstico de EEo pode fornecer um melhor esclarecimento naqueles casos desafiadores de EEo.
- Pacientes e Métodos
2.1 Visão do Estudo
Os pacientes foram divididos em 2 grupos (EEo e Controles). Os pacientes portadores de EEo haviam sido previamente diagnosticados pela presença de sintomas de disfunção esofágica e ≥ de 15 eosinófilos campo de grande aumento (cga) da endoscopia foram categorizados como EEo ativa ou EEo inativa (≤15 eosinófilos cga). O grupo controle incluiu indivíduos que apresentavam uma alta suspeita clínica de EEo, baseada na presença de sintomas, mas cujas biópsias esofágicas mostraram-se normais (Figura S1A).
Em uma categorização separada, a despeito da atividade da enfermidade, os resultados da endoscopia acarretaram uma divisão em quatro grupos, baseados na distribuição da eosinofilia esofágica (≥15 cga) em mais do que um nível do esôfago, somente médio ou proximal, somente distal, e ausência de eosinofilia (Figura S1B).
Foram coletados os dados dos sintomas clínicos, histórias de atopia, dieta, medicamentos, comorbidades, escore endoscópico, achados histológicos e concentrações da NTE.
2.2 Raspagem do epitélio esofágico
A raspagem esofágica foi obtida antes da realização das biópsias. Uma escova de citologia padronizada foi introduzida através do canal endoscópio, e, sob visualização direta, todo o esôfago foi escovado. O material removido foi colocado em um tubo e transferido para o laboratório de análise.
2.3 Análise do NTE
A concentração da NTE foi determinada por meio de um método previamente estabelecido e calculada levando-se em consideração uma curva padronizada. Concentrações da NTE superiores a 10mcg/ml foram consideradas positivas para enfermidade de EEo ativa.
- Resultados
- Pacientes
Foram revisados os dados de 231 pacientes de um total de 289 endoscopias avaliadas. A idade dos pacientes variou de 1 a 22 anos, com média de 10,3 anos. A maioria dos pacientes era do sexo masculino (66,7%), sendo que 140 pacientes receberam o diagnóstico de EEo e 91 pacientes serviram como grupo controle. Dentre os pacientes com EEo, 70,6% referiam história de atopia. Considerando as endoscopias realizadas nos pacientes com EEo, 117 mostraram enfermidade ativa, e 81 evidenciaram enfermidade inativa.
- Concentrações de NTE
Os níveis de NTE para avaliação da atividade de EEo mostraram-se ambos sensíveis (84,4%) e específicos (94,6%) (Tabela 1).
Os valores da NTE correlacionaram de forma positiva com o escore de referência endoscópica e pico de contagem de eosinófilos (p<0.0001). Os valores médios do pico de contagem dos eosinófilos, o escore de referência endoscópica e as concentrações da NTE mostraram-se significativamente maiores nos pacientes com EEo ativa do que nos pacientes com EEo inativa, e nos controles (p<0.001) (Figura 1). Não houve diferenças significativas nas concentrações da NTE entre os pacientes com EEo inativa e controles.
Os níveis de eosinofilia esofágica nos diferentes grupos estudados estão representados na Figura 2.
- Conclusões
Nesta grande coorte pediátrica a dosagem da NTE epitelial nas raspagens esofágicas mostrou-se exitosa para monitoração da atividade da EEo. Este estudo foi o primeiro a utilizar a NTE do epitélio esofágico para elucidar os desafios diagnósticos na EEo. Este estudo mostrou-se de grande valor como uma ferramenta para diferenciar os casos de eosinofilia distal entre EEo e não-EEo tal como o DRGE. Baseados nos nossos achados propomos que a eosinofilia distal deva ser considerada secundária ao EEo somente quando a NTE se encontra elevada. Além disso, quando os níveis da NTE se mostram baixos nos pacientes que respondem positivamente ao uso dos inibidores de bomba de próton, sugerem que isto pode ser um fator preditivo de uma resposta positiva aos inibidores de bomba de próton.
Finalmente, a dosagem da NTE no raspado esofágico revelou-se uma ferramenta valiosa no diagnóstico da EEo especialmente quando a distribuição dos eosinófilos é heterogênea e os resultados da endoscopia e da histologia não se correlacionam positivamente.
- Referências Bibliográficas
- Thomas J e cols. – JPGN 2023, 1-8
- Paterson KA e cols. – Dig Dis Sci, 2015;60:2646-2653
- Kim CK e cols. – Alergo Int 2017;66:70-74
- Irastorza LE e cols. – JPGN 2022;74:267-271