Pseudo obstrução intestinal crônica
Isabela Mazzei & Ulysses Fagundes Neto
Introdução
A pseudo obstrução intestinal crônica (POIC) é caracterizada por um conjunto de sinais e sintomas próprios da interrupção do fluxo do conteúdo digestivo intraluminal normal, sem que haja um obstáculo anatômico. Esta síndrome representa a forma mais grave dentre os distúrbios de motilidade do trato gastrointestinal, pois pode ocasionar falência digestivo-absortiva.
A POIC é considerada de origem congênita quando se manifesta nos 2 primeiros meses de vida ou adquirida quando surge em períodos posteriores da vida.
Formas: a origem da POIC pode ser devida às seguintes condições patológicas, a saber:
- Neuropática: os neurônios entéricos encontram-se afetados;
- Mesenquimopatia: as alterações ocorrem nas células intersticiais de Cajal;
- Miopática: as anormalidades encontram-se nas células musculares.
Etiologia: na maioria dos casos a POIC é considerada de natureza idiopática, porém, ela também pode ocorrer de forma secundária a outras situações patológicas. Na Tabela 1, abaixo, estão apresentadas as principais causas secundárias idiopáticas de POIC conhecidas e suas respectivas relações com o tipo de estrutura do trato digestivo envolvido.
Na Tabela 2 estão expostas as causas de POIC crônica segundo a descrição de Connor e Di Lorenzo.
Quadro clínico: O esquema gráfico abaixo apresenta as principais manifestações clínicas descritas na POIC.
Nos períodos entre as crises raramente os pacientes mostram-se assintomáticos e os sintomas mais frequentes revelam uma lentificação do trânsito intestinal. Quando a enfermidade atinge o trato digestivo superior costuma ocorrer perda de peso, que pode estar associada a náuseas e vômitos. Por outro lado, a POIC também pode vir acompanhada de sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado o que irá acarretar diarreia associada a esteatorreia e perda proteica intestinal. Vale ressaltar que emagrecimento, hipotrofia e hipotonia muscular, flacidez de tecido subcutâneo, hipoalbuminemia e déficit nutricional, também podem estar presentes como consequência ao sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado.
Este trabalho retrospectivo realizado pelo grupo francês de experts nesta patologia, analisou as manifestações clínicas de 105 crianças portadoras de POIC, que revelou os seguintes achados abaixo listados e suas respectivas porcentagens de prevalência:
Distensão intestinal — 98%
Vômitos —————- 91%
Vômitos biliosos ——– 80%
Constipação ————–77%
Failure to thrive ——— 62%
Dor abdominal ———– 58%
Sepse abdominal ——— 34%
Diarreia ——————-31%
Disfagia ——————- 10%
Diagnóstico: para se estabelecer o diagnóstico de certeza da POIC é necessária a realização de uma série de exames laboratoriais para afastar algumas enfermidades que por suas características clínicas podem ser confundidas com a POIC. Deve-se, em especial, descartar distúrbios eletrolíticos, principalmente nos casos agudos, bem como excluir doença celíaca, inicialmente por meio dos testes sorológicos, ou mesmo pela realização da biópsia duodenal, caso este procedimento se faça necessário.
Diagnóstico – Imagem
A radiografia simples do abdome evidencia alças intestinais dilatadas com níveis hidroaéreos (Figura 1).
Radiografia simples
A realização do estudo do trânsito intestinal permite visualizar alças intestinais dilatadas e associada a lentidão na progressão do contraste (Figura 2).
Trânsito intestinal
Vícios de rotação do intestino delgado principalmente em menores de 1 ano também podem ser caracterizados pelo estudo do trânsito intestinal.
Tomografia: este tipo de investigação de imagem também pode auxiliar na caracterização da POIC (Figura 3).
Diagnóstico histológico: pode ser realizado por meio da biópsia profunda do intestino delgado e do cólon em microscopia óptica comum. O estudo pode ser complementado com a técnica da imuno-histoquímica e do estudo ultraestrutural que permite distinguir as formas miopáticas das neuropáticas. Deve-se também buscar possíveis anormalidades nas células intersticiais de Cajal.
Outros testes diagnósticos: há alguns outros testes diagnósticos que podem auxiliar no complemento da avaliação laboratorial da POIC, a saber:
- Eletrogastrografia – demonstra ausência de frequência dominante, permitindo diferenciar as formas miopáticas das neuropáticas.
- Manometria antroduodenal – diferentes amplitudes diferenciam as formas neuropáticas e miopáticas.
Este trabalho retrospectivo buscou avaliar a eficácia da manometria esofágica, antroduodenal e anorretal associada à cintilografia do esvaziamento gástrico.
A manometria esofágica revelou-se alterada em 73% dos casos sendo que 51% deles apresentaram-se com comprometimento grave que se relacionou com a necessidade da indicação da nutrição parenteral. Por outro lado, a manometria anorretal mostrou-se alterada em 59% e somente em 17% deles foram detectadas alterações graves.
Tratamento
O tratamento da POIC requer a formação de uma equipe multidisciplinar envolvendo diferentes profissionais da área da saúde, tais como, gastropediatra, cirurgião pediátrico, nutricionista, enfermeira e psicólogo entre outros.
Terapia nutricional
O tratamento da condição nutricional torna-se prioritário, posto que a imensa maioria dos pacientes apresenta grave comprometimento do seu estado nutricional.
Aqueles pacientes que possuem alguma motilidade intestinal podem se beneficiar de refeições líquidas contendo pequenos volumes.
É praticamente necessária a utilização de suplementos nutricionais e, muitas vezes, a Nutrição Enteral pode ser tentada nos pacientes com acometimento do estômago e duodeno, pois este procedimento oferece menor número de complicações em relação à parenteral.
A Nutrição Parenteral está indicada quando o acometimento do trato digestivo é mais extenso, mesmo tendo em mente que o risco de um grande número de complicações pode ocorrer, e, dependendo das condições técnicas de infraestrutura do serviço médico, este risco pode variar de 20 a 60% dos casos.
Tratamento farmacológico: um dos pilares do tratamento farmacológico baseia-se na utilização dos medicamentos pró-cinéticos, abaixo discriminados:
- Cisaprida
- Eritromicina
- Octreotidio
- Tegaserode
Cisaprida
Este fármaco aumenta a motilidade antroduodenal e a tolerância à alimentação enteral. Trata-se de um eficaz agonista do receptor de serotonina, porém, devido aos seus potenciais efeitos colaterais indesejáveis foi retirada do mercado em alguns países por toxicidade cardíaca.
Eritromicina
Este antibiótico tradicional tem por função mimetizar a motilina, e deve ser utilizado em dose subantibiótica, porém, nos estados graves de gastroparesia altas doses fazem-se necessárias.
Octreotideo
Trata-se do procinético mais potente disponível atualmente, é análogo da somatostatina. Estimula a motilidade do intestino delgado, inibe o esvaziamento gástrico e a contratilidade da vesicula biliar. Também apresenta algum benefício no tratamento do sobrecrescimento bacteriano em adultos.
Tegaserode
Apresenta ação semelhante à da cisaprida, pois também é um agonista parcial do receptor de serotonina, utilizado no tratamento da constipação em adultos. Apresenta efeitos colaterais e cardiotoxicidade.
Prucalopride
Trata-se de um fármaco recentemente disponível indicado para tratamento de constipação em mulheres, não há suficiente conhecimento sobre sua eficácia na POIC.
Tratamento farmacológico auxiliar
- Antimicrobianos
- Antibióticos e antifúngicos em ciclos variáveis
- Antidepressivos triciclicos e gabapentina
- Neuromoduladores
Tratamento cirúrgico: (Figura 4)
- Jejunostomia ou enterostomia: redução da distensão e dos vômitos.
- Ressecções nos casos de distensão segmentar.
- Transplante intestinal.