O teste do Hidrogênio no ar expirado: sua consolidação como método eficiente, não invasivo, de avaliação da função digestivo-absortiva
Introdução
No passado, acreditava-se que o pulmão fosse um órgão apenas responsável pela respiração e, portanto, tinha-se o conceito de que somente Oxigênio (O2) e Dióxido de Carbono (CO2) pudessem ser dosados no ar expirado. Atualmente, porém, sabe-se que o ar expirado dos pulmões contém mais de 2000 substâncias distintas, e que, além da respiração, os pulmões apresentam uma função adicional, qual seja a excreção de substâncias voláteis, o que tornou os pulmões reconhecidamente como “órgãos excretores” de gases que se encontram dissolvidos no sangue. Uma destas inúmeras substâncias voláteis excretadas pelos pulmões é o Hidrogênio (H2), o qual pode ser facilmente medido com a utilização de um equipamento manual de teste respiratório (Figura 1).
O ser humano sadio em jejum e em repouso não elimina H2 porque o seu metabolismo não produz este gás, o qual somente é gerado durante o metabolismo anaeróbio. Considerando que o organismo humano em repouso não possui metabolismo anaeróbio, o H2 produzido e excretado pelos pulmões tem origem pela ação das bactérias anaeróbias, as quais são habitantes naturais do intestino grosso, sobre um substrato não digerido pelo organismo humano. Como se sabe, o trato digestivo alberga um número elevado de bactérias, que são predominantemente anaeróbias e que produzem grandes quantidades de H2. De fato, a concentração de bactérias, em especial as anaeróbias, alcança no íleo terminal e no intestino grosso valores de até 1015 colônias/ml. Por outro lado, no duodeno e nas porções superiores do jejuno, praticamente não ocorre colonização por bactérias anaeróbias, pois nestas porções do trato digestivo são encontradas apenas bactérias aeróbias, consideradas residentes das vias aéreas superiores e resistentes à barreira bactericida ácida gástrica, na concentração de até 104 colônias/ml. Portanto, pode-se assumir, com boa margem de segurança, que o H2 eliminado pelos pulmões dos seres humanos em repouso, durante a expiração, é produzido, quase que exclusivamente, pelo metabolismo bacteriano dos anaeróbios que colonizam o íleo e o intestino grosso. Desta forma, pode-se afirmar que, em condições normais, o H2 mensurado no ar expirado diz respeito à quantidade da atividade metabólica das bactérias anaeróbias presentes no trato digestivo, em particular, no íleo e no intestino grosso. Entretanto, em situações patológicas, como por exemplo, na síndrome do “Sobrecrescimento Bacteriano no Intestino Delgado”, a concentração de bactérias anaeróbias torna-se predominante no intestino delgado e pode alcançar valores superiores a 104 colônias/ml. As bactérias anaeróbias têm a capacidade de metabolizar os carboidratos como fonte de energia para sua nutrição, os quais, em virtude desta reação química de fermentação, são “quebrados” dando a formação de ácidos graxos de cadeia pequena, CO2 e H2 (Figura 2).
Uma significativa parcela do CO2 que permanece na luz do intestino é responsável pela sensação de flatulência, enquanto que os ácidos graxos de cadeia pequena exercem efeito osmótico atraindo água para o interior do lúmen intestinal, causando diarreia. O H2 produzido no intestino atravessa a parede intestinal é incorporado na circulação sanguínea sistêmica, é transportado até os pulmões e, finalmente, é eliminado pela respiração como parte do ar expirado. A concentração de H2 expirada pode, portanto, ser facilmente mensurada em partes por milhão (ppm) por técnica não invasiva, por um equipamento de uso manual. A concentração do H2 mensurado na expiração é sempre um reflexo da massa de bactérias e da atividade metabólica bacteriana no trato digestivo. O momento no qual a concentração de H2 no ar expirado se eleva durante a realização do teste respiratório fornece uma indicação em qual região do intestino se deu a fermentação.
Normas para a realização do teste do H2 no ar expirado
Cada teste deve sempre ser iniciado com a obtenção da amostra de jejum para a mensuração do H2 no ar expirado. Vale ressaltar que o paciente deve estar em jejum pelo período de ao menos 4 horas. Após a mensuração do valor basal de jejum, o qual deve na imensa maioria dos casos ser inferior a 5 partes por milhão (ppm), o teste respiratório pode começar. O paciente deve ingerir o conteúdo de uma solução aquosa diluída a 10% do carboidrato que se deseja testar a tolerância e/ou absorção à dose de 2 gramas/kg de peso para os dissacarídeos, Lactose, Maltose e Sacarose, e à dose de 1 grama/kg de peso para os monossacarídeos, Glicose, Frutose e Galactose. A dose máxima para quaisquer dos carboidratos a serem testados não deve ultrapassar 25 gramas. Após a obtenção da amostra de jejum e da ingestão da solução aquosa, contendo o carboidrato a ser testado, amostras de ar expirado devem ser obtidas aos 30, 60, 90 e 120 minutos. Caso o teste seja realizado com Lactulose (a dose é fixa de 20 gramas diluídas a 10% em água), para pesquisa de “Sobrecrescimento Bacteriano no Intestino Delgado”, deve-se acrescentar uma coleta de amostra do ar expirado aos 45 minutos após a amostra de jejum. Vale salientar que a Lactulose é um dissacarídeo sintético, Frutose-Galactose, não absorvível que exerce efeito osmótico e que, portanto, pode provocar sintomas após sua ingestão, tais como, flatulência, cólicas e diarreia, os quais costumam desaparecer pouco tempo depois do término do teste.
Interpretação do Teste do H2 no ar expirado
A interpretação do resultado do teste do H2 no ar expirado baseia-se em 2 fatores fundamentais, a saber: 1- a concentração em ppm do Hidrogênio expirado e/ou 2- o aparecimento de sintomas após a realização do teste de sobrecarga.
Caso surjam sintomas clínicos e a concentração de H2 no ar expirado for inferior a 20 ppm, trata-se de um não produtor de H2, o que pode ocorrer em até 5% dos indivíduos testados. Nesta circunstância, para se estabelecer um diagnóstico de segurança deve ser realizado o teste com Lactulose, posto que este dissacarídeo é sempre fermentado, e, se ainda assim não houver elevação da concentração de H2 no ar expirado pode-se assumir com segurança tratar-se de um não produtor de H2.
2- Teste Anormal: Uma elevação da concentração de H2 acima de 20 ppm sobre o nível de jejum a partir dos 60 minutos depois da ingestão do carboidrato é considerado um teste anormal (Figura 4) caracterizado como “má absorção” e, caso concomitantemente surjam sintomas, deve-se agregar o diagnóstico de “intolerância”.
Por outro lado, caso ocorra um aumento significativo do H2 no ar expirado a partir dos 60 minutos, mas não surjam sintomas deve-se, nesta circunstância, utilizar a denominação “má absorção” para o teste bioquímico, mas do ponto de vista clínico não ocorreu “intolerância” (Figura 5).
Usualmente deve ser possível alcançar o pico máximo do aumento do H2 no ar expirado aos 60 minutos, ou ainda melhor, aos 90 minutos, porque pode tardar esse tempo para que o carboidrato não absorvido alcance o intestino grosso. Caso o valor do H2 no ar expirado seja superior a 10 ppm e inferior a 20 ppm, o teste deve ser considerado como limítrofe anormal. Além disso, outro fator também deve ser levado em consideração, pois se houver
elevação da concentração de H2 acima de 10 ppm sobre o nível de jejum dentro dos primeiros 30 minutos do teste, este valor é indicativo de “Sobrecrescimento Bacteriano no Intestino Delgado”. Essencialmente há 2 possibilidades para a ocorrência deste perfil particular do H2 no ar expirado, a saber:
1- a curva mostra um perfil de 2 picos de elevação do H2 no ar expirado, ou seja, 1 deles nos primeiros 30 minutos do teste seguido de uma diminuição na concentração do H2, o qual é seguido por nova elevação após os 60 minutos. Este comportamento do teste indica que há um “Sobrecrescimento Bacteriano no Intestino Delgado” associado a preservação da válvula íleo-cecal e também que as bactérias presentes nas porções altas do intestino delgado foram capazes de metabolizar a substância testada. O segundo pico demonstra que a maior porção da substância testada não foi absorvida e que, portanto, foi fermentada no intestino grosso (má absorção) (Figura 6).
Caso o paciente, durante a realização do teste, decorridos menos de 60 minutos após a ingestão da substância testada, vier a apresentar sintomas e que estes rapidamente venham a desaparecer, isto indica que as queixas se devem mais provavelmente ao “Sobrecrescimento Bacteriano no Intestino Delgado” do que à má absorção da substância testada.
2- a curva mostra um pico precoce, antes dos 60 minutos após a ingestão da substância testada, o qual se mantem pelo menos em 20 ppm acima do valor basal, sem apresentar uma queda no valor do H2 no ar expirado, até os 90 minutos. Esta curva apresenta um “quase” perfil de 2 picos, sem que ocorra o “vale” entre o primeiro e segundo picos (Figura 7).
Neste caso deve-se interpretar que houve um refluxo do fluido do intestino grosso para o íleo em virtude de uma hipotonia da válvula íleo-cecal.
Tipos de testes do H2 no ar expirado
Na verdade, qualquer carboidrato, tais como os monossacarídeos, Glicose, Frutose e Galactose, dissacarídeos, Sacarose, Maltose e Lactose, e mesmo polissacarídeos, álcool-açúcares, e o dissacarídeo sintético Lactulose, não absorvível (Galactose-Frutose). Os tipos de teste do H2 no ar expirado mais indicados estão representados na Tabela 1.As principais indicações do teste do H2 no ar expirado estão apontadas na Tabela 2.
Teste de sobrecarga com Lactulose
Como anteriormente referido, a Lactulose é um dissacarídeo sintético composto por Galactose-Frutose, portanto não absorvível, visto que o intestino humano não possui nenhuma dissacaridase capaz de hidrolisar este carboidrato, e, como conseqüência, a Lactulose é sempre fermentada. Neste caso deve-se utilizar 20 gramas do carboidrato diluído em solução aquosa a 10%. As indicações para a realização do teste com Lactulose estão discriminadas na Tabela 3.
Todos estes testes, individualmente ou em conjunto, para se avaliar o perfil da função digestivo-absortiva ou o tempo de trânsito oro-cecal estão disponíveis para atendimento aos pacientes no Instituto de Gastroenterologia Pediátrica de São Paulo.
IGASTROPED tel.:11 9.8842.7324 (Contato Tatianne Rocha)