Constipação Intestinal Funcional na Infância: Manifestações Clínicas, Investigação Laboratorial, Diagnóstico e Tratamento
Ulysses Fagundes-Neto
Professor Titular da Disciplina de Gastroenterologia, Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina / Universidade Federal de São Paulo
Diretor Médico do Instituto de Gastroenterologia Pediátrica de São Paulo (I-Gastroped)
Introdução
A constipação funcional é um transtorno comum na infância com uma estimativa global de 3% de prevalência no mundo ocidental (1). Entre 17% e 40% das crianças a constipação tem início no primeiro ano de vida (2). Em nosso meio, em atendimento ambulatorial de gastroenterologia pediátrica, a constipação funcional afeta até 30% dos pacientes que buscam assistência médica. A constipação é uma condição clínica debilitante caracterizada por evacuações dolorosas e pouco frequentes, escape fecal e dor abdominal. A constipação provoca um grande transtorno para a criança e sua família, e pode mesmo resultar em graves distúrbios emocionais com inclusive desarmonia familiar. A fisiopatologia da constipação funcional é indubitavelmente multifatorial e até o presente não está completamente esclarecida. O comportamento de retenção é provavelmente a causa mais importante para o desenvolvimento da constipação. Este comportamento pode ser desencadeado por uma produção prévia de fezes de grosso calibre e endurecidas que causam dor para evacuar e, consequentemente, provocam o surgimento de fissura anal. Este evento pode ser a causa primária desencadeante do mecanismo de retenção fecal ou ainda, em determinadas circunstâncias, a retenção fecal pode ter seu início em uma resistência por parte da criança em utilizar outro vaso sanitário que não seja o próprio. Até a presente data, somente 50% de todas as crianças com constipação são tratadas com êxito e se veem livres de laxantes depois de 12 meses de tratamento intensivo (3). Em nossa experiência verificamos que 25% dos pacientes que apresentaram constipação antes dos 5 anos de idade continuaram a sofrer queixas importantes de constipação, caracterizadas por evacuações dolorosas e escape fecal além da puberdade (4).
Embora possa haver diversas etiologias para a constipação, na maioria dos casos as crianças que referem esses sintomas não apresentam doença orgânica detectável.
Definição
O termo constipação é derivado de uma palavra latina “constipare” que significa “reunir, estreitar, apertar”. Constipação trata-se de um diagnóstico clínico. Durante muitos anos médicos, pacientes e pais usaram diferentes definições para caracterizar constipação. Por esta razão, a elaboração de um consenso para definir constipação foi necessária para tornar apropriado seu diagnóstico e também permitir que pesquisadores comparassem os resultados dos seus estudos entre eles.
Atualmente, a definição mais largamente aceita para a caracterização da constipação funcional baseia-se no Critério de Roma III (5). Este critério divide a constipação funcional em dois grupos de acordo com as idades dos pacientes. Lactentes e pré-escolares até 4 anos devem preencher dois ou mais dos critérios por pelo menos um mês, enquanto que aqueles maiores de 4 anos necessitam preencher dois ou mais critérios por pelo menos 2 meses (Tabela 1). Dor abdominal é um sintoma frequentemente associado à constipação, mas sua presença não é considerada necessariamente um critério obrigatório para tal diagnóstico. O papel que a constipação desempenha nas crianças com dor abdominal predominante não está bem esclarecido.
Um subgrupo de lactentes que apresentam dificuldades relacionadas a evacuação foram categorizadas de acordo com os Critérios de Roma III como portadoras da “disquezia do lactente”. Esta condição é caracterizada quando ocorre em lactentes maiores de seis meses que apresentam um esforço de pelo menos 10 minutos, acompanhado de choro, antes da eliminação de fezes pastosas, na ausência de quaisquer problemas de saúde. Os pais descrevem que os lactentes apresentam um esforço por muitos minutos associado a gritos, choro e enrubescimento da face. Os sintomas persistem por 10 ou 15 minutos até que fezes pastosas ou líquidas sejam eliminadas e, usualmente, as evacuações são diárias. Os sintomas costumam iniciar nos primeiros meses de vida e desaparecem espontaneamente após algumas semanas (6).
Nem todas as crianças com problemas de evacuação preenchem os Critérios de Roma III, e por isso, outras definições tem sido propostas. Estas definições são menos exigentes e, na verdade, incluem somente “dificuldade para evacuar por pelo menos duas semanas e que causam significante estresse para o paciente” (7). Embora essas definições sejam mais inclusivas, muito provavelmente englobam um grupo mais heterogêneo de pacientes.
Diagnóstico da constipação funcional e sinais de alarme que sugerem a presença de uma causa orgânica associada à constipação
O diagnóstico da constipação baseia-se inicialmente na história e no exame físico, e o papel mais importante obtido por meio destas observações é para tentar excluir outros transtornos que podem se apresentar com dificuldades para a evacuação e identificar as possíveis complicações. As informações que devem ser ativamente buscadas incluem a idade de início dos sintomas, o sucesso ou fracasso do treinamento esfincteriano, a frequência e a consistência das fezes, neste último caso preferentemente expresso de acordo com a escala de Bristol (8) ou de Amsterdan (9), dor e/ou sangramento na eliminação das fezes, coexistência de dor abdominal ou escape fecal, comportamento de retenção, história dietética, alterações do apetite, náuseas e/ou vômitos e perda de peso. O conhecimento da idade da criança quando do início dos sintomas é um dado extremamente importante para se avaliar a gravidade do problema. Por exemplo, caso os sintomas tenham se iniciado em um lactente com menos de 1 mês de idade deve-se levantar a suspeita diagnóstica da existência de uma condição orgânica tal como a doença de Hirschsprung (10). O momento da eliminação do primeiro mecônio é especialmente relevante para avaliar o risco da doença de Hirschsprung; o retardo da eliminação do mecônio por mais de 48 horas em um neonato de termo leva à necessidade da realização de investigação para confirmar ou descartar este diagnóstico. Embora 99% dos neonatos de termo sadios eliminem mecônio antes das 48 horas do nascimento, 50% dos neonatos que sofrem da doença de Hirschsprung também eliminam mecônio nas primeiras 48 horas de vida (11,12). Deve-se ter em mente que a ausência da eliminação do mecônio nas primeiras 48 horas de vida embora seja sugestiva da doença de Hirschsprung, ainda assim não estabelece o diagnóstico definitivo.
A informação também deve ser obtida a respeito dos possíveis tratamentos prévios e mesmo o atual. Idealmente deve-se utilizar um diário de 03 dias para que se possa avaliar com maior confiança a ingestão alimentar e de líquidos. A história medicamentosa prévia deve ser obtida incluindo o uso de laxantes, enemas, supositórios, ervas e outras medicações, bem como algum possível tratamento comportamental.
É importante investigar a história do desenvolvimento neuromotor e psicossocial, tais como possíveis desajustes familiares, interação com seus pais e também o temperamento da criança. A história familiar deve ser cuidadosamente obtida, na busca de outras doenças gastrointestinais (alergia alimentar, doença inflamatória intestinal, doença celíaca e doença de Hirschsprung) e também alterações em outros órgãos, tais como, a tireoide, paratireoide, rins, ou doenças sistêmicas, como por exemplo, a fibrose cística. O exame físico deve estar especificamente voltado para os parâmetros de crescimento, exame do abdome (tonos muscular, distensão e massa fecal palpável), inspeção da região perianal (posição do ânus, presença de fezes ao redor do ânus, eritema, pregas cutâneas e fissuras anais), e exame da região lombo sacral (tufos de pelos, desvio da linha glútea, glúteos planos e agenesia sacral). É necessária a realização do toque retal para avaliar a possível presença de estenose anal e massa fecal. A evacuação explosiva após a retirada do dedo do examinador é sugestivo da doença de Hirschsprung (resultado de um esfíncter hipertônico). O medo excessivo por parte da criança durante a inspeção anal e/ou a presença de fissuras e hematomas deve levantar a suspeita de abuso sexual. Os diagnósticos diferenciais estão listados na Tabela 2. Os sinais de alarme que devem alertar o clínico a respeito de uma condição concomitante responsável pela constipação estão descritos na Tabela 3.
Investigação diagnóstica laboratorial e de imagem
Em geral investigações laboratoriais devem ser somente solicitadas em caso de dúvida ou para excluir uma enfermidade de base tal como Doença Celíaca ou Hipotireoidismo. Frequentemente a indicação de exames adicionais para o diagnóstico da constipação na infância inclui radiografia do abdome, com ou sem o uso de marcadores rádio-opacos para avaliar o tempo de trânsito colônico e ultrassonografia abdominal. É importante ressaltar que um ou mais destes exames devem ser solicitados de acordo com as possíveis necessidades clínicas individuais, a critério do médico assistente. Entretanto há controvérsias quanto a contribuição destes exames de imagem para à acurácia do diagnóstico da constipação na infância, os quais não são recomendados pelas normas de conduta inglesa (13) e holandesa (14).
– Radiografia simples do abdome
Uma revisão de 5 estudos que avaliaram a importância do grau de presença de fezes na topografia dos cólons por meio da radiografia simples do abdome, demonstrou que o retardo do trânsito colônico pode estar presente em quaisquer dos segmentos analisados. Os sistemas de escore propostos variaram consideravelmente entre os autores e da mesma forma diversificaram a sensibilidade e a especificidade para a caracterização de excessiva retenção fecal; portanto, na prática clínica torna-se pouco confiável a utilização dos referidos sistemas de escore. A realização da radiografia simples de abdome fornece, na verdade, informações genéricas a respeito dos segmentos colônicos que potencialmente possam apresentar retenção fecal. Além disso, a radiografia simples do abdome permite avaliar a existência de alguma anormalidade da coluna vertebral lombo-sacral (15).
– Manometria anorretal
A manometria anorretal é um teste de rastreamento extremamente útil e está indicado em crianças que apresentam constipação e alguns sintomas que possam sugerir a presença da doença de Hirschsprung, tais como a instalação precoce da constipação, a falta de resposta ao tratamento rotineiro e a detecção da ampola retal vazia ao toque digital. A presença do reflexo inibidor reto-anal exclui a doença de Hirschsprung. Na ausência do reflexo inibidor reto-anal é imperiosa a realização da biópsia retal para confirmar o diagnóstico da doença de Hirschsprung (16).
– Radiografia por Enema de Bário
A radiografia por enema de Bário não está indicada como uma ferramenta diagnóstica porque não representa uma alternativa válida à manometria ano-retal ou à biópsia retal para excluir o diagnóstico da doença de Hirschsprung a despeito da idade do paciente. Entretanto, pode ser considerada sua utilização nos casos confirmados da doença de Hirschsprung para avaliar a extensão do segmento agangliônico previamente à cirurgia (17).
Tratamento
Os objetivos do tratamento das crianças com constipação estão voltados para restaurar o padrão rotineiro das evacuações (fezes pastosas e evacuações indolores), desaparecimento do escape fecal e prevenção de recidivas. Há quatro passos importantes para serem dados durante o processo terapêutico, a saber: 1- Educação; 2- Desimpactação; 3- Prevenção da formação do bolo fecal e 4- Acompanhamento clínico.
-Educação
O tratamento da constipação na infância deve-se iniciar pela abordagem não acusatória dos pais e dos profissionais da saúde. É necessário fornecer informação detalhada a respeito da prevalência e dos sintomas, inclusive antevendo a ocorrência de períodos intermitentes de agravos e de alívios da constipação. É também importante explicar aos pais e, quando possível, à criança, a respeito da etiologia do escape fecal. O escape fecal ocorre em virtude da produção de fezes amolecidas e/ou semilíquidas decorrente da existência do bolo fecal impactado no reto, o qual provoca a produção de uma secreção serosa pela mucosa retal que arrasta pequenas quantidades de material sólido dos bordos do bolo fecal. Desta forma a criança não consegue reter este material semilíquido e, portanto, este evento não deve ser encarado como um distúrbio comportamental da criança. Uma explanação clara deste processo auxiliará os pais e a criança na melhor compreensão deste sinal tão frustrante, o que deverá ser mais facilmente aceito. Uma revisão sistemática da literatura mostrou que somente 50% de todas as crianças acompanhadas de 6 a 12 meses apresentaram recuperação total do escape fecal e foram “desmamadas” com sucesso do uso de laxantes (18). Os familiares e a criança necessitam ser informados deste percentual antes do início do tratamento para se tentar conseguir um aumento da adesão ao mesmo.
Além da educação, aconselhamento dietético também deve ser oferecido, o qual consiste na ingestão rotineira de líquidos e fibras. Não há uma evidência de que a ingestão aumentada de líquidos ou fibras no tratamento da constipação esteja suficientemente confirmada para que se faça a recomendação destes elementos no manejo da constipação funcional. Entretanto, um aumento do consumo de líquidos para alcançar os níveis diários recomendados é essencial. Usualmente, o lactente necessita receber 150 ml/kg/dia de líquidos. Crianças sadias pesando 10 ou mais quilogramas necessitam de 1000 a 1500 ml/dia. A quantidade recomendada da ingestão de fibras para crianças acima de 2 anos deve ser calculada levando-se em consideração a idade em anos, acrescida de 5 g/dia (por exemplo: uma criança de 7 anos de idade deve ingerir 12 g/dia de fibra) (19).
A despeito do fato de que não haja uma evidência definitiva do aumento da atividade física para o alivio da constipação, exercícios físicos devem ser estimulados. Há consenso sobre a observação clínica de que a falta de atividade física pode ser um fator contribuinte para a constipação. A atividade física rotineiramente recomendada consiste em uma hora por dia de exercício de intensidade moderada. Além disso, todas as crianças com idade de desenvolvimento neuropsicomotor correspondente a 4 anos, devem ser instruídas a tentar evacuar no vaso sanitário durante 5 a 10 minutos depois de cada refeição (2x ao dia).
-Desimpactação
É do conhecimento geral que o tratamento da constipação torna-se menos eficiente caso a impactação fecal não seja inicialmente tratada. Deve-se utilizar uma associação da história clínica pregressa e o exame físico para estabelecer o diagnóstico da impactação fecal. É importante obter informação sobre a possível existência de escape fecal e buscar a presença de um bolo fecal à palpação da fossa ilíaca esquerda e/ou mesmo por meio do toque retal. A realização da desimpactação fecal previamente ao início do tratamento de manutenção por meio do uso de laxantes orais ou retais é recomendada para aumentar a taxa de sucesso e reduzir o número de episódios de escapes fecais. Há muitos anos já tem sido comprovado que a omissão da realização da desimpactação inicial passando-se diretamente para o uso de laxantes orais resulta em um aumento do número dos episódios de escape fecal. Por outro lado, um ensaio clínico controlado e randomizado recentemente realizado comparando a utilização de enemas diários e Polietilenoglicol (PEG) (1,5g/kg/dia) durante 6 dias consecutivos mostraram-se igualmente eficientes no tratamento da impactação fecal em crianças com constipação funcional (20). Na verdade, quando se comparou o uso do PEG com o enema, o primeiro mostrou-se associado a um maior número de escapes fecais. Considerando-se os dados deste estudo, deve-se dar preferência à utilização de enemas para se obter melhor resultado para debelar a impactação fecal (21).
-Terapia de Manutenção
Após o curto período da desimpactação está indicado o início da terapia de manutenção para prevenir a formação de um novo bolo fecal. Há diversos laxantes para uso por via oral, e, em algumas ocasiões enemas, que podem ser prescritos, a saber: laxantes osmóticos, tais como a Lactulose e PEG; laxantes estimulantes, tais como bisacodil ou sena, ou umidificadores das fezes, tais como o óleo mineral. Duas revisões sistemáticas avaliaram a eficácia do PEG com ou sem eletrólitos versus placebo no tratamento da constipação crônica em crianças. Embora o PEG com eletrólitos tenha resultado em um alívio significativo da constipação em comparação com o placebo no que diz respeito à diminuição da dor para evacuar e no número de evacuações por semana, ele não apresentou diferenças no número médio de episódios de escape fecal entre os grupos estudados (22). Recentemente foi realizada uma revisão sistemática da literatura envolvendo 5 ensaios clínicos comparando PEG com Lactulose. Dois destes estudos mostraram que a eficácia do PEG foi superior à Lactulose no que diz respeito ao aumento do número de evacuações, enquanto que os outros três estudos não demonstraram diferenças significativas no aumento da frequência das evacuações. Em geral, a Lactulose parece ter provocado mais efeitos colaterais adversos, como por exemplo, dor abdominal, quando comparada ao PEG. Porém, efeitos colaterais intensos são infrequentes quando a Lactulose é usada em doses apropriadas e sob supervisão adequada (23).
O manual de conduta holandês (14) recomenda o emprego de Lactulose como medicamento de primeira escolha para o tratamento da constipação funcional em crianças menores de um ano de idade. Para crianças maiores de um ano de idade, ambos Lactulose e PEG (com ou sem eletrólitos), podem ser indicados como medicamentos de primeira escolha para o tratamento da constipação funcional. Uma das principais razões para se recomendar o uso da Lactulose ao invés do PEG em crianças menores de um ano de idade na Holanda, é o aspecto da segurança, posto que a Lactulose tem sido usada há muito mais tempo do que o PEG, sem provocar efeitos colaterais graves. A Tabela 4 descreve os laxantes orais e retais mais frequentemente utilizados e suas respectivas doses.
O manual de conduta holandês (14) recomenda que a medicação deva ser gradualmente diminuída somente depois de pelo menos dois meses consecutivos de tratamento, e o paciente deve estar livre dos sinais da constipação. As crianças que estiverem no processo de treinamento do controle esfincteriano devem permanecer recebendo laxantes até que este processo esteja bem estabelecido. Os laxantes não devem ser suspensos abruptamente, mas as doses devem ser gradualmente reduzidas durante um período de alguns meses desde que haja uma resposta positiva quanto à frequência das evacuações e a consistência das fezes. As figuras 3 e 4 mostram dois algoritmos para o diagnóstico e o tratamento da constipação funcional da criança de acordo com o manual de conduta holandês: um para crianças menores de um ano de idade e outro para crianças acima de um ano de idade.
-Terapia Comportamental
A terapia comportamental sempre deve vir acompanhada do uso de laxantes por via oral, cujo objetivo é o de reduzir o nível de estresse e, além disso, desenvolver ou restaurar os hábitos intestinais normais por meio de um reforço positivo. Van Dijk e cols., em 2008 (24), publicaram um ensaio clínico randomizado comparando a terapia comportamental realizada por um psicólogo pediátrico (utilizando o processo de aprendizagem para reduzir as reações fóbicas relacionadas com a evacuação, o qual consiste de 5 passos sequenciais, a saber: conhecer – cuidar – poder – desejar – fazer) versus a terapia comportamental com o tratamento convencional realizado por um gastroenterologista pediátrico (educação – diário – treinamento esfincteriano com sistema de premiação), durante 22 semanas e que incluíram 12 visitas. Ambos os grupos foram tratados com o uso de laxantes similares. Embora tenha sido encontrado um aumento estatisticamente significante na frequência das evacuações, bem como uma redução dos escapes fecais em ambos os grupos, não houve diferenças significativas na frequência das evacuações e nem tampouco no número de episódios de escape fecal ao cabo das 22 semanas e 6 meses depois, entre os dois grupos estudados. Além disso, não ocorreram diferenças significativas nas taxas de sucesso entre ambos os grupos. Após 6 meses, o percentual de crianças com problemas comportamentais mostrou-se significantemente mais baixo no grupo que recebeu terapia comportamental comparado com o grupo tratado convencionalmente (11,7% vs 29,2%). O manual de conduta holandês (14), no qual se baseou parcialmente este estudo, recomenda a indicação de tratamento com psicólogos somente naquelas crianças que apresentam graves problemas emocionais. Além disso, a terapia comportamental pode ser de grande valia naquelas crianças cuja terapia com laxantes tenha fracassado.
-Tratamentos Não Farmacológicos
O tratamento da constipação é de longa duração e as recidivas são frequentes. Portanto, não é surpreendente que os pais das crianças com transtornos funcionais da defecação venham a procurar auxilio de outros profissionais da saúde. O tratamento não farmacológico inclui uma intervenção multidisciplinar, o emprego de pré e pró-bióticos, e medicamentos alternativos (acupuntura, homeopatia, terapia mente e corpo, manipulações músculo-esqueléticas, tais como manipulações osteopráticas e quiropráticas, e terapias espirituais como a Yoga). Vlieger e cols., em 2008 (25), demonstraram que 36,4% das crianças com constipação funcional usaram alguma forma de medicina complementar, tais como acupuntura e homeopatia. Entretanto, não existem na literatura ensaios clínicos controlados e randomizados que avaliem a eficácia de tratamentos multidisciplinares ou quaisquer tratamentos com medicações alternativas, os quais, portanto, não devem ser recomendados.
Algumas hipóteses têm sido postuladas do por que os pró-bióticos possam vir a ter um potencial terapêutico para o tratamento da constipação. Neste sentido tem sido sugerida a existência de uma disbiose na flora intestinal em pacientes com constipação, a qual pode ser regulada depois da ingestão de pró-bióticos. Entretanto, não esta claramente definida se a disbiose é uma manifestação secundária da constipação ou um mero fator contribuinte para a constipação. Por outro lado, os pró-bióticos podem diminuir o pH do intestino grosso, aumentando a peristalse, o que subsequentemente diminui o tempo do trânsito colônico. Uma revisão sistemática incluindo dois ensaios clínicos controlados e randomizados avaliaram os efeitos dos pró-bióticos. Um estudo demonstrou aumento da frequência das evacuações e uma diminuição na frequência da dor abdominal quando se utilizou o pró-biótico Lactobacillus casei rhamnosus em comparação com um placebo. O outro ensaio mostrou que o pró-biótico Lactobacillus casei GG não se revelou eficaz como tratamento coadjuvante da Lactulose. Ambos os ensaios não descreveram quaisquer eventos adversos nos grupos que receberam os pró-bióticos (26).
Pré-bióticos são carboidratos de cadeia curta que alteram a composição ou o metabolismo da microbiota intestinal de uma maneira benéfica. É esperado, portanto, que os pré-bióticos venham a melhorar o estado de saúde de um modo similar ao induzido pelos pró-bióticos, enquanto que, ao mesmo tempo, são mais baratos, oferecem menores riscos de complicação e são mais facilmente incorporáveis à dieta que os pró-bióticos. Em relação aos pré-bióticos há na literatura uma única revisão sistemática de um ensaio clínico randomizado e controlado comparando uma fórmula rotineira com uma fórmula contendo uma mistura de pré-bióticos. Não houve qualquer diferença significativa entre os dois grupos estudados no que se refere à frequência das evacuações por semana após três semanas de estudo, mas, no grupo que recebeu pré-bióticos houve uma pequena melhora no que diz respeito à consistência das fezes, embora este achado não tenha se mostrado estatisticamente significante (18). Tomando-se por base esses dados limitados, o uso rotineiro de pré ou pró-bióticos para o tratamento da constipação na infância não está recomendado no manual de conduta holandês (14).
-Secretagogos intestinais: Lubiprostone e Linaclotide
Recentemente, dois novos medicamentos têm sido utilizados no tratamento da constipação em pacientes adultos e iniciam a ter alguma experiência em pacientes pediátricos com sucesso. Estes medicamentos estimulam a secreção de fluido e eletrólitos para o lumem do intestino e, desta forma, aceleram o transito colônico e também facilitam a evacuação.
Ambas as drogas secretagogas, lubiprostone e linaclotide, aumentam a secreção intestinal de cloreto pela ativação dos canais da superfície apical dos enterócitos. Para manter a eletroneutralidade o sódio é também secretado para o lumem intestinal por outros transportadores de ion, e desta forma a água é também secretada. A lubiprostoni é um acido graxo bicíclico derivado da prostaglandina E1, a qual tem por ação ativar os canais de cloreto e, também, acelerar o trânsito intestinal e colônico (27). A linaclotide é um aminoácido homólogo a uma enterotoxina termo-estável que causa diarreia através do estimulo da Guanililciclase C, a qual abre os canais de cloreto e produz uma secreção de ions e água para o interior do lumem intestinal (28).
Conclusões
As crianças que sofrem de constipação funcional relatam ter uma qualidade de vida prejudicada em relação às queixas físicas e a longa duração dos sintomas. A qualidade de vida relatada pelos pais destas crianças mostra-se ainda mais pessimista do que aquela descrita pelas próprias crianças. Ainda mais importante, aquelas crianças que persistem apresentando sintomas de constipação encontram-se sob o risco de apresentarem comportamento global abaixo do esperado e de sofrer uma deficiente qualidade de vida na infância e mesmo ao atingirem a idade adulta.
A experiência de vários centros médicos tem demonstrado que somente 50% de todas as crianças com constipação seguidas durante 6 a 12 meses, recuperam-se com sucesso e deixam de necessitar o uso de laxantes. Além disso, cerca de 50% dos pacientes que utilizam laxantes queixam-se de vários efeitos colaterais tais como, dor abdominal, distensão, flatulência, diarreia e náusea. A situação torna-se ainda mais problemática quando a constipação crônica vem acompanhada de escape fecal, porque além do problema da constipação em si, tem-se o agravo do estigma social decorrente do odor extremamente desagradável exalado pelo paciente. É, portanto, sob este ponto de vista que esforços devem ser envidados para curar a constipação de forma definitiva e assim evitar que os efeitos colaterais adversos da constipação funcional crônica prejudiquem de forma significativa a qualidade de vida dos nossos pacientes.
Agradecimento
Agradeço a Sra. Tatianne Rocha pelo excelente trabalho secretarial.
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