Esofagite Eosinofílica: manejo dietético e nutricional
(Resumo do Work Report of the American Academy of Alergy, Asthma and Immunology)
J Allergy Clin Immunol Pract 2017;5:312-24
Ulysses Fagundes Neto
Introdução
Esofagite Eosinofílica (EEo) trata-se de uma “enfermidade crônica/antígeno-imune mediada” caracterizada clinicamente por sintomas relacionados à disfunção esofágica e histologicamente por inflamação predominantemente eosinofílica (Figuras 1 e 2).
O tratamento da EEo tem por objetivos a resolução dos sintomas e o desaparecimento da inflamação eosinofílica, a manutenção da remissão da enfermidade para prevenir suas principais complicações, ou seja, a estenose e/ou fibrose esofágica, a prevenção e a correção de possíveis deficiências nutricionais, prevenção das complicações relacionadas ao tratamento e a manutenção da qualidade de vida (Qol).
O tratamento dietético à base da eliminação de determinados alimentos da dieta tem demonstrado ser eficaz para alcançar ambas as remissões, clínica e histológica, em crianças e adultos, e também para oferecer uma remissão a longo prazo desprovida do risco dos efeitos colaterais relacionados às medicações.
Entretanto, a terapia dietética apresenta uma série de desafios, posto que não há testes laboratoriais que permitam identificar os potenciais alimentos deflagradores da enfermidade, porém, sua implementação torna-se viável ao seguir determinados guias de conduta dietéticos. Para poder contornar essas dificuldades este Work Group tem por objetivo salientar os potenciais desafios para se colocar em prática a terapia dietética eleita para o manejo da EEo, bem como oferecer guias de conduta para sua efetiva implementação pelos profissionais de saúde que cuidam das crianças e adultos portadores da EEo.
Opções de tratamento dietético
No caso de se eleger uma terapia dietética, é recomendado ao médico decidir se irá utilizar uma dieta de eliminação contra um determinado alvo (alimento ou alimentos específicos) ou então empírica, ou mesmo o emprego de uma dieta elementar, para o êxito da terapia na EEo.
Dieta Elementar
A dieta elementar (DE) consiste em uma fórmula baseada em amino-ácidos livres desprovida de proteínas intactas ou mesmo peptídeos, e tem sido demonstrada eficaz para levar à remissão dos sintomas da EEo na maioria dos casos. Na Tabela 1 estão listadas as DEs disponíveis no mercado e seus respectivos fabricantes. Vale salientar que estas fórmulas a despeito do seu alto grau de eficácia apresentam como óbice pelo menos 2 aspectos que precisam ser considerados, a saber: 1- a baixa palatabilidade, e 2- seu alto custo.
Para contornar a baixa palatabilidade é possível adicionar algum sabor, como por exemplo, extrato de baunilha. Entretanto, antes de se optar pela utilização da DE é necessário adequá-la para atender as necessidades individuais de energia, proteínas, vitaminas e minerais (Tabela 2).
O uso da DE por tempo prolongado é muito difícil de ser mantida, e, portanto, não é a melhor escolha como uma terapia crônica. A DE pode ser de grande utilidade como uma terapia inicial para estimular os pacientes a entrar em remissão da enfermidade e, posteriormente, ser seguida da introdução de novos alimentos. Vale enfatizar que na maioria das vezes para se poder alcançar as necessidades nutricionais com o uso da DE é necessário lançar mão da alimentação via naso-jejunal ou gastrostomia.
Dieta de eliminação empírica
A eliminação empírica dos principais alergenos da dieta sem a necessidade de se realizar quaisquer testes laboratoriais, tais como o prick test, patch test ou mesmo a determinação da IgE sérica específica contra determinados alergenos, representa outra estratégia de tratamento dietético. Kagalwalla e cols. (2011) realizaram estudo retrospectivo em crianças baseado na dieta de eliminação empírica de 6 alimentos, a saber: leite e derivados, soja, ovo, trigo, peixe e frutos do mar, e os frutos oleaginosos. Os autores relataram remissão histológica em 74% dos casos (n=35). Durante a investigação os autores encontraram, por meio de um processo de reintrodução sequencial dos alimentos acompanhados de repetidos estudos da histologia esofágica após cada introdução de um determinado alimento, a recidiva das lesões nos seguintes percentuais, a saber: leite 74%, trigo 26%, ovo 17%, soja 10% e amendoim 6%.
Dieta de eliminação baseada em teste dirigido
A dieta de eliminação baseada em teste dirigido é guiada por uma combinação de resultados advindos dos skin prick test, patch test e IgE específico contra determinados alergenos. É importante enfatizar que ainda que estes testes resultem positivos não são suficientes para caracterizar o diagnóstico dos alimentos que deflagram a EEo.
Uma importante ressalva deve ser feita com relação aos testes de atopia alimentar, pois estes testes não foram padronizados e nem tampouco validados em pacientes com EEo, fato este que requer investigações futuras. Deve-se salientar que a ocorrência de testes positivos não significa necessariamente que estes possíveis alimentos com positividade sejam os responsáveis pela deflagração da EEo. Além disso, Van Rhijn e cols. não encontraram uma associação entre determinados alimentos identificados por estes testes e a exacerbação da enfermidade. Por esta razão o único caminho de certeza para saber se um determinado alimento é o fator desencadeante da EEo é por meio da remissão dos sintomas e da normalização histológica do esôfago quando este alimento suspeito é retirado da dieta, seguido de recidiva dos sintomas e das alterações histológicas quando este mesmo alimento é reintroduzido na dieta.
Entretanto, tanto a utilização da dieta empírica de eliminação dos alimentos quanto a dieta de eliminação baseada em teste dirigido apresentam uma vantagem sobre o uso da DE, pois, ao se eliminar os alimentos específicos que provocam os sintomas, possibilita-se que todos os outros alimentos não causadores das lesões esofágicas sejam oferecidos aos pacientes.
Desafios da terapia de eliminação dos alimentos
Qualquer que seja a escolha da dieta de eliminação, a terapia dietética requer uma rigorosa vigilância posto que os pacientes com EEo podem se encontrar em alto risco nutricional, tanto antes de se iniciar a terapia dietética quanto após a subsequente remoção dos múltiplos alimentos da dieta. Mukkada e cols. avaliaram 200 crianças com idade média de 34 meses (variação de 14 a 113 meses) com EEo e encontraram que 16,5% deles apresentavam transtornos alimentares importantes, incluindo recusa alimentar, baixa ingestão de variedade e volume, pouca aceitação de novos alimentos, rechaço dos alimentos e padrões inconsistentes de alimentação.
Por outro lado, em adultos os sintomas mais frequentes dizem respeito à dificuldade para ingerir alimentos sólidos, sendo a principal delas a impactação esofágica o que obriga a retirada endoscópica do alimento impactado, complicação que pode ocorrer em até 50% dos pacientes. Outros sintomas menos frequentes que dificultam a ingestão alimentar devem-se a queixas, tais como, dor torácica retro- esternal, queimação torácica e dor abdominal.
Implementação da terapia da dieta de eliminação
Passo #1: Avaliação do estado nutricional
É de suma importância rastrear os potenciais riscos nutricionais antes de se iniciar a implementação da prescrição dietética. Por esta razão, a avaliação inicial do profissional da saúde deve, portanto, incluir a obtenção e a interpretação dos dados das medidas antropométricas prévias, incluindo a análise da curva de crescimento e do peso, utilizando-se uma tabela de referência confiável (Gráficos de crescimento e peso da OMS para lactentes, crianças pré-escolares, escolares e adolescentes), história dietética, história médica prévia, exame clínico detalhado, e, quando necessário a realização de exames laboratoriais.
Passo #2: Eliminação dos antígenos alimentares
A leitura dos rótulos dos produtos alimentares industrializados é de fundamental importância para garantir a efetiva eliminação da dieta dos alimentos considerados alergenos.
Nos Estados Unidos, os principais alimentos considerados alergênicos que devem fazer parte inicialmente da dieta de eliminação empírica são: leite animal, soja, trigo, ovo, peixe e frutos do mar, frutas oleaginosas e amendoim. Por outro lado, na Europa, além destes alimentos devem ser acrescentados os seguintes: tremoço, aipo, sésamo e mostarda.
Muito embora ainda não tenham sido determinados os níveis limiares de exposição aos alergenos que possam vir a desencadear a EEo, os pacientes devem ter o conhecimento do risco potencial de exposição a certos alergenos por contato cruzado no ambiente doméstico ou quando fazem as refeições em ambiente externo. O uso de utensílios compartilhados, condimentos, superfícies cortantes, equipamentos e/ou aparelhos de cozinha podem ser fatores involuntários de exposição a fontes de alergenos, bem como as áreas de serviço dos alimentos devido aos riscos de que venham a respingar nos alimentos da dieta.
Outro aspecto de importância na alimentação diz respeito a garantia de que os alimentos que venham a ser substituídos o sejam por outros que preencham as necessidades nutricionais dos pacientes sem provocar quaisquer prejuízos indesejáveis (Tabela 3).
Passo #3: Individualizar o cardápio para atender as necessidades nutricionais na dieta de eliminação
O planejamento da adequação nutricional com os alimentos da dieta de eliminação deve ser o principal objetivo do aconselhamento alimentar, o qual deve ser alcançado por meio da incorporação de quantidades suficientes dos alimentos substitutos (Tabela 2). Todo alimento fornece um grupo específico de nutrientes (Tabela 3) e quando estes são eliminados da dieta devem ser substituídos por alimentos nutricionalmente enriquecidos. Desde que bem tolerados os alimentos enriquecidos, tais como, carnes, grãos integrais e/ou cereais fortificados no desjejum, vegetais verdes/amarelos e sementes podem ser acrescidos na dieta para reforçar a ingestão de nutrientes. Os requerimentos nutricionais de cada paciente devem ser determinados e devem ser direcionados para alcançar um equilíbrio nutricional apropriado, incluindo neste caso o estímulo para que seja ingerida uma extensa variedade de alimentos (Tabelas 4 e 5).
A reintrodução dos alimentos: a vida depois da dieta de eliminação inicial
No caso da utilização da terapia da dieta de eliminação comprovar-se exitosa, ou seja, resultar em remissão clínica e histológica da EEo, é aconselhável optar-se pela reintrodução sequencial dos alimentos, um de cada vez, quando os alimentos eliminados forem acrescentados novamente à dieta do paciente. É recomendável nesta reintrodução adicionar um alimento ou grupo de alimentos de cada vez mantendo uma constante vigilância para detectar uma possível ocorrência do surgimento de sintomas de recidiva. O objetivo maior desta reintrodução sequencial de alimentos reside na possibilidade de determinar qual ou quais alimentos são os verdadeiros deflagradores da EEo. Embora, como até o presente momento as recomendações de reintrodução dos alimentos ainda não tenham sido padronizadas, deve ser considerada a possibilidade da realização de biópsias esofágicas seriadas após cada reintrodução, como parte do manejo dos pacientes com EEo, posto que o surgimento dos sintomas isoladamente ou a realização da endoscopia sem a obtenção da biópsia não podem ser consideradas como uma medida acurada da atividade da enfermidade. O procedimento acima mencionado permite identificar com maior grau de certeza o alimento ou alimentos desencadeadores da EEo e, por isso, possibilita a manutenção na dieta outros alimentos não ofensores e elimina apenas aqueles que provaram ser os desencadeadores, o que provê potencialmente um melhor desfecho nutricional.
Baseados em estudos retrospectivos é reconhecido que leite, ovo, trigo, e soja são os alimentos mais provavelmente responsabilizados pela deflagração da recidiva da EEo, e, portanto, deve-se considerar que a reintrodução destes alimentos se dê em estágios mais tardios dos ensaios dietéticos. No caso do surgimento de recidiva, quando for possível identificar o agente provocador da mesma, o alimento causador do problema deve ser retirado da dieta por um tempo prolongado ou mesmo definitivamente.
Vale a pena enfatizar que embora a realização de biópsias seriadas do esôfago seja o único caminho para se ter a certeza se um determinado alimento é ou não o deflagrador da EEo, na maioria das vezes este tipo de intervenção não é possível de ser executada na prática médica diária ou mesmo pode não ser desejável. No presente momento, nos casos em que as endoscopias não possam ser rotineiramente realizadas a única ferramenta validada para avaliar a resposta ao tratamento clínico é a Pediatric Eosinophilic Esophagitis Symptom Score versão 2.0 (J Allergy Clin Immunol 2015;135:1519-28.e8). Este questionário obtém de forma efetiva os sintomas relatados pelos pais das crianças com idades que variam de 2 a 18 anos.
Conclusões
A terapia de dietética de eliminação tem sido demonstrada eficiente para induzir a remissão da enfermidade na maioria dos pacientes com EEo. Ela também oferece uma potencial efetividade para o tratamento da EEo a longo prazo. Entretanto, dietas de eliminação não são isentas de risco e podem ter um impacto negativo sobre o estado nutricional, o prazer pela comida e o bem-estar geral do paciente e sua qualidade de vida. Seguindo-se uma orientação adequada e uma monitoração vigilante, os potenciais impactos negativos serão minimizados de tal forma que os pacientes poderão se beneficiar desta opção terapêutica sem a necessidade de auxílio medicamentoso.
Nota de Ulysses Fagundes Neto: na minha experiência clínica cuidando de pacientes com EEo das mais variadas idades, desde pré-escolares até mesmo idosos, tenho sempre optado como tratamento inicial a associação da terapia de eliminação dos 6 alimentos associada ao uso de uma droga inibidora da bomba de próton e budesonida por pelo menos 3 meses. Devo afirmar que tenho obtido remissão total, clínica e histológica em 100% dos casos, e a partir desta etapa passo a diminuir a dose da budesonida até a sua eliminação completa, e, ao mesmo tempo proponho o início gradual e sequencial da reintrodução dos alimentos retirados da dieta.