Manejo farmacológico da Síndrome do Intestino Irritável com Constipação: normas de conduta recomendadas pela Associação Americana de Gastroenterologia (AGA)
Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto
A renomada revista Gastroenterology publicou um artigo sobre normas de conduta na Síndrome do Intestino Irritável com Constipação, em julho de 2022, intitulado “AGA Clinical Pratice Guideline on the Pharmacological Management of Irritable Bowel Syndrome with Constipation”, de Chang L. e cols, que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.
Introdução
A Síndrome do Intestino Irritável (SII) trata-se de um transtorno frequente decorrente da interação trato digestivo-cérebro, com uma prevalência universal que varia entre 4,1% e 10,1%. A SII afeta os indivíduos de forma generalizada independentemente da raça, idade ou sexo, porém, é mais frequente nas mulheres e indivíduos jovens. Embora a SII não seja uma entidade clínica que coloque em risco a vida, ela está associada com significante prejuízo pessoal incluindo diminuição na qualidade de vida, elevadas taxas de comorbidades psicológicas e altos custos financeiros. Os pacientes portadores da SII relatam uma pior qualidade de vida do que aqueles portadores de diabetes e com doença renal em estágio terminal. O impacto da SII nas funções diárias pode ser demonstrada pelas altas taxas de absenteísmo (média de 13,4 dias no trabalho ou na escola por ano, comparado com 4,9 dias nos indivíduos que não apresentam SII) e presenteísmo (87% relatam reduzida produtividade no trabalho, na semana anterior, resultando em cerca de 14 horas por semana de perda da produtividade devido à SII). Socialmente, o ônus da SII na vida diária pode ser percebida no impacto negativo de fazer as refeições fora de casa, divertir-se com amigos, viajar e fazer turismo em lugares desconhecidos.
A SII com constipação (SII-C) é um subtipo de SII que afeta mais de 1/3 dos casos de SII. Uma pesquisa realizada pela AGA em pacientes com SII-C, demonstrou que os indivíduos relatam dificuldade de concentração, evitam relações sexuais e não se sentem capazes em seus plenos potenciais. O diagnóstico de certeza de SII-C pode ser estabelecido com base na história clínica e no exame físico, avaliação dos sintomas gastrointestinais (em especial sinais de alarme), alguns testes diagnósticos e a utilização dos sintomas baseados nos critérios de Roma IV. A presença de sinais de alarme, tais como: surgimento dos sintomas após os 50 anos de idade, sangramento retal não atribuível a hemorroida ou fissura anal, perda de peso não intencional, anemia ferropriva, diarreia noturna, histórico familiar de câncer no colón, Doença Inflamatória Intestinal ou Doença Celíaca, requer investigações mais especificas para cada paciente.
Objetivos
Desde a primeira publicação da AGA, que foi a primeira revisão técnica sobre SII-C e suas respectivas normas de conduta em 2014, novos tratamentos farmacológicos tornaram-se disponíveis e novas evidências têm sido acumuladas a respeito dos tratamentos estabelecidos. O propósito destas normas de conduta atuais é oferecer recomendações baseadas em evidências para o manejo farmacológico de indivíduos portadores de SII-C, baseadas em uma síntese sistemática e abrangente da literatura. Além disso, foram incluídas as recomendações para as seguintes 3 classes de agentes farmacoterapêuticos para SII-C, a saber: antidepressivos tricíclicos, inibidores seletivos da recaptação da serotonina e antiespasmódicos.
Recomendações
Um resumo de todas as recomendações está fornecida na Tabela 1.
Uma descrição dos estudos incluídos está publicada na Tabela 4 e uma visão geral do efeito relativo e absoluto estimado para o desfecho clínico está publicada na Tabela 5.
SÍNDROME DO INTESTINO IRRITÁVEL – CONSTIPAÇÃO
- TENAPANOR – trata-se de uma pequena molécula inibidora do permutador gastrointestinal sódio/hidrogênio isoform3. Ocorre inibição da absorção do sódio e aumento da secreção de água.
Nome comercial: IBSRELA
Dose: 50mg 1x/dia
Efeitos Adversos: diarreia, dor abdominal e náusea
- PLECANATIDE – trata-se de um Peptídeo não absorvível composto por 16 amino-ácidos, estruturalmente semelhante à uroguanilina, da mesma forma que o Linaclotide, estimula a guanilato ciclase C, que é um receptor dos enterócitos via o segundo mensageiro monofosfato cíclico de guanosina.
Nome comercial: TRULANCE
Dose: 3mg 1x/dia
Efeitos Adversos: diarreia
- LINACLOTIDE – trata-se de um Peptídeo não absorvível composto por 14 amino-ácidos, semelhante ao Plecanatide, que provoca secreção de cloro e bicabornato no lúmen intestinal.
Nome comercial: LINZESS ou CONSTELLA
Dose: 290 µg 1x/dia
Efeitos Adversos: diarreia
- TEGAZERODE – trata-se de um antagonista parcial do receptor de 5-HT4, estimula motilidade gastrointestinal e aumento da quantidade de fluido intraluminal.
Nome comercial: ZELMAC
Dose: 1 – 6mg 2x/dia
Efeitos Adversos: Diarreia e Cefaleia
Risco: Problema Cardiovascular.
Obs: Uso somente para Mulheres até 65 anos.
- LUBIPROSTONA – trata-se de um ativador do canal de cloro do lúmen intestinal, intensifica o fluxo de líquido para o intestino e acelera o trânsito intestinal.
Nome comercial: AMITIZA
Dose: 8 µg 2x/dia
Efeitos Adversos: Tontura, palpitações, dor abdominal, diarreia.
- POLIETILENO GLICOL (PEG) – trata-se de um polímero de cadeia longa do óxido de etileno que age como um laxante osmótico, cuja recomendação já havia sido proposta na norma de conduta de 2014. Desde então, tem sido largamente empregado no tratamento da constipação, PEG desprovido de eletrólitos.
- ANTIDEPRESSIVOS TRICÍCLICOS (ATC): Devem ser usados em pacientes portadores com SII-C?
Esta recomendação permaneceu inalterada desde a guia de conduta de 2014. Os ATCs tem sido utilizados na SII-C devido as suas ações periféricas e centrais, as quais podem afetar a motilidade, secreção e sensação. A SII-C bem como outros transtornos funcionais foram redefinidos nos Critérios de Roma IV como transtorno da interação do trato digestivo-cérebro, caracterizados por quaisquer combinações de distúrbios da motilidade, hipersensibilidade visceral, funções alteradas da mucosa e imunológicos, alteração da microbiota intestinal e alterações no processamento do Sistema Nervoso Central. Com consonância com essa redefinição e baseado no fato de que os ATCs e outros antidepressivos apresentam diferentes efeitos fisiológicos sobre o humor, esses agentes têm sido redefinidos como neuromoduladores do sistema trato digestivo-cérebro.
Nome: AMITRIPTILINA, DESIPIRAMINA, TRIMIPRAMINA, INIPRAMINA, DOXEPIN.
Dose: 50 a 150mg 1x/dia
Efeitos Adversos: Boca seca e Sedação.
- INIBIDORES DA RECAPÇÃO DA SEROTONINA (IRS):
Esta recomendação permaneceu inalterada desde a guia de conduta de 2014. Os IRS estão aprovados para o tratamento de transtorno do humor, tais como: ansiedade e depressão, posto que eles inibem seletivamente a recaptação da 5-HT nas terminações do nervo pré- sináptico, que resultam em um aumento da concentração sináptica dos 5-HT.
Nome: FLUOXETINA Dose: 20mg 1x/dia;
PAROXETINA Dose 10-50mg/dia.
- ANTIESPASMÓTICOS (ATEs):
Esta recomendação permaneceu inalterada desde a guia de conduta de 2014. Os ATEs são frequentemente usados na prática clínica para reduzir a dor abdominal associada a SII-C. Embora o ATEs pertençam a diferentes classes farmacológicas, admite-se que sejam eficazes para aliviar os sintomas da SII, por meio da contração do músculo liso e possivelmente a sensibilidade visceral.
CONCLUSÕES
As limitações dos ensaios clínicos nas SII-C continuam esbarrando na inexistência de marcador biológico que possa incorporar os possíveis diferentes mecanismos fisiopatológicos da SII-C, ou que possam de forma confiável predizer a resposta terapêutica às medicações que apresentam diferentes mecanismos predominantes de ação. Por exemplo, normalização do hábito intestinal e analgesia visceral, e a necessidade de tratamentos clinicamente efetivos que proporcionem alívio dos múltiplos sintomas.
Modificações dietéticas e tratamentos comportamentais têm demonstrado efeitos benéficos nos pacientes com SII-C, e devem ser considerados individualmente, posto que podem ser utilizados de forma conjunta com terapêuticas farmacológicas.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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- Chey WD e cols. – Am J Gastroenterol 2017; 112:763-774