Capítulo 19
Minha trajetória na carreira Acadêmica na Escola Paulista de Medicina (EPM) – Parte 1
19.1- A evolução funcional dentro da carreira acadêmica
Quando decidi ir para Buenos-Aires fazer meu 3º ano de Residência Médica, foi um salto no escuro, não tinha qualquer tipo de promessa de que no meu retorno poderia vir a ser contratado pelo Departamento de Pediatria, fato que muito desejava, posto que tinha todo interesse em seguir a carreira acadêmica. Porém, foi uma decisão unilateral, tinha entendido que para atingir meu objetivo seria necessário fazer algo distinto do rotineiro, era preciso criar uma mudança de paradigma, pois com este tipo de atitude teria a oportunidade de me tornar um agregador de valores, o que se constituiria em um diferencial em relação aos meus pares da mesma geração, e assim, quem sabe, despertar o interesse pela minha contratação. O Departamento de Pediatria estava com sua lotação praticamente completa dentro do quadro de docentes da EPM. Naquela época não havia uma perspectiva definida para a abertura de novo concurso para ingresso no magistério federal a médio prazo, portanto, além de querer diferenciar-me profissionalmente, qualificando-me na busca da excelência na especialidade ainda totalmente incipiente no nosso meio, valia a pena correr o risco na expectativa de que algo de positivo viesse a ocorrer. De fato, foi o que se sucedeu, pois quando Prof. Azarias foi me visitar em Buenos-Aires durante minha estada, já mais para o final da mesma, ouviu referências muito elogias do Dr. Toccalino a meu respeito, o que aplainou o terreno para convencer Prof. Azarias sobre a importância da minha contratação, a qual ocorreu imediatamente após o meu retorno em 1974, pelo Centro de Estudos de Pediatria da Escola Paulista. Para minha felicidade já em 1975 foi aberto concurso público para Professor Auxiliar ao qual me apresentei, fui aprovado, e assim começava a tornar realidade o almejado sonho de seguir a carreira de professor universitário. A partir deste ponto inicial fui gradualmente ascendendo, sempre por meio de concursos públicos, na progressão funcional, inicialmente para Professor Assistente, posteriormente para Professor Adjunto, e, para finalmente alcançar o topo da carreira, em 1988, aos 44 anos de idade, como Professor Titular. Vale assinalar que esta era a segunda vez que eu havia prestado concurso para Professor Titular, na primeira delas, em 1982, aos 38 anos de idade, concorri com meu colega e amigo Calil Kairalla Farharat, que venceu o concurso com nota 9,92, enquanto eu obtive nota 9,88 (Figura 1).
No segundo concurso fui aprovado com nota 10,0 por todos os 5 examinadores da banca constituída exclusivamente por Professores Titulares, sendo que 3 deles pertenciam a outras prestigiosas instituições universitárias (Figuras 2-3).
19.2- A formação da Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica: sua progressiva e sólida expansão
Logo após meu retorno de Buenos-Aires contando com o entusiasmo incontido e apoio incondicional do Prof. Jamal Wehba, e com a autorização do Departamento de Pediatria, criamos inicialmente o Setor de Gastroenterologia Pediátrica, que alguns anos mais tarde, pelo reconhecimento da instituição quanto à nossa excelente qualidade, fez jus a ser promovido a Disciplina. Ato seguinte, tratamos de colocar em prática, sempre de comum acordo, e após amplas discussões, todos os planos elaborados para a consolidação de um Setor cujo eixo fundamental de apoio deveria estar centrado em um trabalho de equipe. Foi, então, celebrado entre nós um modo de vida baseado acima de tudo no respeito recíproco das opiniões emitidas e que todos os pontos de possíveis divergências seriam discutidos à exaustão até o surgimento de um consenso, para que as soluções dos problemas resultassem de comum acordo. Assumimos naquela oportunidade um compromisso formal quanto ao nosso porvir, as responsabilidades pelo sucesso ou pelo fracasso seriam, pois, igualmente repartidas. Caso conseguíssemos levar adiante nossos ideais, ambos triunfaríamos, caso contrário teríamos também que dividir com a mesma responsabilidade o ônus do fracasso. Movidos por estes princípios que nortearam nosso comportamento desde os primórdios tratamos de forjar algo palpável do qual pudéssemos nos orgulhar no futuro. Estaríamos, assim, contribuindo de maneira altamente positiva para uma melhor formação dos nossos alunos, construindo bases para adquirir tradição em pesquisa e criando condições para oferecer assistência de alta qualidade. Na verdade, nosso primeiro investimento foi com a assistência, a partir da criação de um Ambulatório de Gastroenterologia que oferecia atendimento clínico e investigação laboratorial especializada, por meio da realização dos principais testes diagnósticos disponíveis à época, os quais rapidamente tratamos de colocar em prática com a inestimável colaboração do Prof. Nelson Machado, inclusive procedimentos de biópsia do intestino delgado, retal e hepática, cuja análise anatomopatológica sempre esteve a cargo da Profa. Francy Reis Patrício. Semanalmente eu me reunia com a Profa. Francy para fazer a revisão das lâminas das biópsias realizadas e buscar estabelecer uma relação clínico-patológica dos pacientes atendidos. Vale ressaltar que esta associação perdurou por mais de 30 anos, sendo muito profícua e que serviu como fonte inesgotável de produção científica de excelente qualidade. Além disso, também se constituiu em material de ensino de altíssima valia para nossos médicos residentes e especializandos, posto que nos reuníamos em sessões semanais para discussões anátomo-clínicas extremamente proveitosas.
Seguindo nossos preceitos básicos as atividades de pesquisa e ensino, além da assistencial, receberam cuidado especial desde os primórdios. Inicialmente o ensino esteve mais dirigido para nossos alunos de graduação do 4º e 6º anos, e para os médicos residentes da EPM. No plano da pesquisa, no princípio, nossos interesses se voltaram para a investigação clínica, a partir da experiência acumulada e devidamente analisada dos pacientes por nós atendidos no Ambulatório da especialidade e daqueles internados no Setor de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital São Paulo (Figura 4).
A comprovação definitiva de que as linhas mestras traçadas, que serviram de orientação para o funcionamento do nosso Setor, haviam sido, acertadas foi selada durante a realização dos Congressos Pediátricos, em 1975, em São Paulo. Naquele evento tivemos a oportunidade de apresentar alguns trabalhos nas sessões de Temas Livres, e que representavam os primeiros frutos colhidos em prazo de tempo inferior a 2 anos do início das nossas atividades no Setor recém constituído (Figura 5).
O primeiro marco havia sido alcançado, mas era apenas o começo de uma longa caminhada, era necessário seguir avançando. As prioridades básicas haviam sido supridas, podíamos, assim, partir agora para alçar outros voos mais ambiciosos. Tornava-se imperioso expandir nossas fronteiras, isto significava a abertura do nosso Setor para o treinamento na especialidade, estávamos escalando o primeiro degrau da excelência ao admitirmos especializandos, ao oferecer um programa de especialização para médicos que haviam completado a residência em Pediatria Geral. Pouco a pouco foram chegando os primeiros interessados em aprimorar seus conhecimentos, e em curto espaço de tempo já se fazia necessário realizar um verdadeiro concurso para limitar o corpo de especializandos, porque a grande afluência de candidatos começou a suplantar nossa capacidade de oferecer um programa de ótima qualidade. Passamos a reservar uma parte das vagas aos interessados que eram oriundos da nossa própria instituição e uma outra parte para aqueles que se apresentavam de outras instituições fossem de São Paulo ou de outros Estados do país (Figuras 6-7-8-9-10-11).
Com o decorrer dos anos, médicos de praticamente todas as regiões do país vieram a se formar no nosso programa de especialização, e, inclusive, muitos deles aqui permaneceram por tempo mais prolongado para realizar os cursos de Mestrado e Doutorado, antes de retornarem aos seus locais de origem (Figuras 12-13-14).
A divulgação da excelência do nosso curso de especialização foi crescendo paulatinamente por todo o país, isto resultou na criação de um círculo virtuoso, pois passei a ser convidado a dar palestras sobre nossas experiências científicas e clínicas nos mais diversos centros de Pediatria, quer seja em Congressos, Cursos de Atualização e Simpósios, tanto no Brasil como em inúmeros países da América Latina.
Ao longo destes mais de 35 anos de atividade docente percorri o Brasil, desde o Norte até o Sul do país, convidado a proferir palestras sobre os mais importantes temas na nossa especialidade. Pude, assim, através dos meus conhecimentos médicos, desfrutar e ter o prazer de conhecer colegas de profissão, celebrar amizades, receber o calor humano da tão tradicional hospitalidade da nossa gente, bem como aprender profundamente a respeito das riquezas da nossa diversidade sociocultural, ao visitar a maioria dos estados do nosso país, a saber: Amazonas (Manaus), Pará (Belém), Piauí (Teresina), Maranhão (São Luís), Ceará (Fortaleza), Rio Grande do Norte (Natal), Paraíba (João Pessoa), Pernambuco (Recife), Bahia (Salvador), Alagoas (Maceió), Sergipe (Aracajú), Espirito Santo (Vitória), Minas Gerais (Belo Horizonte, Guaxupé), Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, Campos, Niterói, Volta Redonda), Mato Grosso (Cuiabá), Mato Grosso do Sul (Campo Grande, Dourados), Goiás (Goiânia), Brasília, Paraná (Curitiba, Londrina, Foz do Iguaçu), Santa Catarina (Florianópolis, Joinville, Blumenau, Itajaí), Rio Grande do Sul (Porto Alegre, Gramado). Vale assinalar que várias destas cidades foram por mim visitadas reiteradas vezes. Particularmente, no nosso estado de São Paulo também fui convidado a dar palestras em inúmeras cidades, tais como: São Paulo, Jundiaí, Campinas, Sorocaba, Americana, Botucatu, São José do Rio Preto, Ribeirão Preto, Santos, Diadema, São José dos Campos, Guarulhos, Campos do Jordão, Marília, Bauru entre outras (Figura 15).
Na América Latina, da mesma forma, em virtude da minha fluência em espanhol adquirida quando vivi em Buenos Aires e também em Nova Iorque, pela facilidade de comunicação daí proveniente, tive a oportunidade de receber convites para dar palestras em inúmeros países de fala hispânica, tais como: Argentina (Buenos Aires, Córdoba, Salta, Mendoza, Rosário, Ushuaia, La Plata, Mar del Plata, Tucuman), Uruguai (Montevideo, Punta del Este), Chile (Santiago, Valdivia, Puerto Varas) Peru (Lima), Bolívia (Santa Cruz de la Sierra, Cochabamba), Colômbia (Cartagena de Indias), Venezuela (Caracas, Maracaibo), República Dominicana (Santo Domingo, Punta Cana), Guatemala (Guatemala), México (México, Puebla, Cancún) (Figuras 16-17-18-19-20-21-22-23).
Embora em escala bem menor também tive a oportunidade de ser convidado a dar palestras em países da América do Norte, de língua inglesa, e da Europa. Nos Estados Unidos dei palestras no FASEB, em Los Angeles, no Cincinnati Children’s Hospital (Cincinnati, Ohio), Miami Children’s Hospital (Miami, Florida), Rapid City (South Dakota), Cornell University Medical College (Nova Iorque, NY) (Figuras 24-25-26). Nesta última fiz parte do corpo docente de um simpósio (único participante da América Latina) que resultou na publicação de um livro intitulado “Nutrition for Special Needs”, no qual escrevi o capítulo “Dietary Management of Postinfectious Diarrhea in Malnourished Infants”.
Em Boston (Massachussets) em agosto de 2000, participei como co-organizador do I World Congress of Pediatric Gatroenterology, Hepatology and Nutrition e também como palestrante (Figuras 27-28-29).
Em setembro de 2007, em Toronto, fiz parte de um grupo de trabalho, envolvendo experts de diversos países da Europa, Estados Unidos, Japão e América Latina (eu fui o representante), denominado “A Global Evidence-Based Consensus on the Definition of Gastroesophageal Reflux disease in the Pediatric Population”, que se estendeu até dezembro quando nos reunimos em dezembro de 2007, em Londres, para finalizarmos o documento que foi inicialmente apresentado no III World Congress of Pediatric Gatroenterology, Hepatology and Nutrition, em 2008, em Foz do Iguaçu eposteriormente publicado na revista American Journal of Gastroenterology (2009; 104:1278-95) (Figuras 30-31-32).
Em Portugal dei palestras em Lisboa e no Porto, na Espanha em Madri e Huelva (Figuras 33-34-35-36-37).
Esta vivência internacional foi um fator que também passou a atrair cada vez mais interessados em vir fazer a especialização na nossa Disciplina. De fato, à medida que nosso prestigio foi progressivamente se expandindo para além das fronteiras nacionais, médicos dos mais variados países da América Latina, tais como, Argentina, Paraguai, Bolívia, Venezuela, Colômbia, Guatemala República Dominicana, também postularam a realizar o programa de especialização na nossa Disciplina. A vinda constante destes médicos latino-americanos para se especializar em nossa Disciplina foi o corolário do reconhecimento internacional do nosso grupo (Figuras 38-39-40).
Vale ressaltar que nossa Disciplina não ficou restrita apenas a 2 docentes, Jamal e eu, pois, com o passar dos anos o corpo docente foi se ampliando com a contratação de novos colegas que vieram a trazer suas contribuições pessoais e científicas, colaborando para oxigenar nosso ambiente de trabalho com o entusiasmo inerente da juventude tornando nosso grupo cada vez mais respeitado e reconhecido pela excelência da qualidade científica (Para mais informações consultar corpo docente da Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica da EPM/UNIFESP).