ONDANSETRONA no combate aos vômitos na Diarreia Aguda: uma nova indicação de um tradicional antiemético
INTRODUÇÃO
Diarreia aguda é uma das causas mais frequentes de doenças infecciosas na infância e é responsável por altas taxas de atendimentos em Serviços de Urgência e de internações hospitalares em crianças menores de 5 anos, em todo o globo terrestre. Para confirmar a assertiva anteriormente enunciada, reconhece-se que a diarreia aguda é a causa de mais de 1,5 milhão de consultas ambulatoriais anualmente nos EUA e, responsável por 13% de todas as internações hospitalares entre as crianças menores de 5 anos (1). Trata-se de uma enfermidade potencialmente autolimitada, porém, os riscos de desidratação e de morte causados pelas perdas hidro-eletrolíticas nas fezes e nos vômitos trazem grande preocupação médica e, portanto, devem ser tratadas com o devido rigor (2) (Figura 1).
Desde a década de 1970, a recomendação terapêutica prioritária inclui a utilização de soluções de rehidratação oral (SRO) para os casos de desidratação leve e moderada. Vale ressaltar que o sucesso da implantação da terapia de rehidratação oral (TRO), de abrangência universal, foi considerado pela Organização Mundial da Saúde como o maior avanço terapêutico do século XX (3) (Figura 2).
Entretanto, para que a TRO possa ser efetivamente utilizada é necessária a interrupção dos vômitos, os quais geralmente encontram-se associados ao processo diarreico. Apesar das normas de conduta, de uma maneira geral, contraindicarem o emprego de antieméticos, estes medicamentos são frequentemente utilizados nos tratamentos de emergência da diarreia aguda pelos profissionais da saúde (4). De fato, de acordo com pesquisas realizadas com médicos norte-americanos, cerca de 61% deles tendem a prescrever antieméticos durante a operacionalização da TRO caso entendam ser necessário este procedimento. Uma pesquisa compreendendo 593 médicos, das seguintes especialidades: Pediatria Geral, Medicina de Urgência e Pediatras de Medicina de Urgência também revelou que 72% deles que já haviam prescritos antieméticos como terapêutica para os vômitos na diarreia aguda, mostravam-se propensos a usá-los para prevenir um agravamento da desidratação, porém, a preocupação mais comum desses profissionais da saúde referia-se aos potenciais efeitos colaterais dos referidos antieméticos (5). Os antieméticos são usualmente prescritos na tentativa de diminuir a frequência dos vômitos e, assim, aumentar a eficácia da TRO. Entretanto, os potenciais benefícios dos antieméticos comumente prescritos (metoclopramida e dimenidrinato) devem sempre ser levados em comparação quanto aos seus possíveis efeitos adversos, tais como, letargia, irritabilidade, reações distônicas e sintomas extrapiramidais causados pelos antagonistas da dopamina, como é o caso da metoclopramida (6). Esses efeitos colaterais podem inviabilizar o sucesso da TRO e acarretar a necessidade da terapia de rehidratação intravenosa, o que aumenta os riscos para o paciente, prolonga o tempo de internação e eleva significativamente os custos do tratamento. Por outro lado, a disponibilidade de um antiemético com boa tolerabilidade, de uso pela via oral e desprovido de efeitos colaterais indesejáveis, pode ser um fator primordial para auxiliar no êxito da TRO. Elimina-se assim a necessidade da utilização da via intravenosa e consequentemente evita-se a internação hospitalar devido à desidratação. Neste sentido, a Academia Americana de Medicina de Urgência em Pediatria indicou a ONDANSETRONAcomo o antiemético de escolha para o tratamento dos vômitos durante um episódio de diarreia aguda (7) (Figura 3).
ONDANSETRONA
A emese é um processo complexo envolvendo várias regiões anatômicas, receptores e neurotransmissores. A estimulação destas regiões do vômito é mediada por neurotransmissores, tais como, serotonina, dopamina, opiáceos, colina e histamina, e o bloqueio desses receptores presume-se ser o mecanismo de ação dos antieméticos. Receptores da serotonina (subtipo 5-HT3) são encontrados em altas concentrações, tanto no sistema nervoso periférico como no central, especialmente na zona deflagradora do quimiorreceptor (ZDQ). Mais de 80% da serotonina 5-HT3 do organismo está contida nas células enterocromafins da mucosa gastrointestinal na área dos nervos vagais aferentes (8). Os vômitos na diarreia aguda surgem provavelmente como resultado de uma lesão da mucosa intestinal causada por um agente enteropatogênico, viral ou bacteriano, que deflagra a liberação de serotonina das células enterocromafins, as quais irão agir através de receptores sobre os nervos vagais aferentes. Estes nervos estimulam o centro do vômito e a ZDQ induzindo o surgimento dos vômitos. A ONDANSETRONA é um antagonista dos receptores da serotonina 5-HT3, desprovida de atividade antagonista da dopamina e, portanto, não causa sintomas extrapiramidais (9) (Figura 4).
Desde o seu lançamento para uso clínico em 1991, tem sido largamente recomendada para o tratamento e a prevenção de náuseas e vômitos (10). A posologia do uso da ONDANSETRONA deve ser de 0,2mg/kg de peso a cada 8 horas por meio de comprimidos de dissolução oral.
ENSAIOS CLÍNICOS DA ONDANSETRONA NA DIARREIA AGUDA
Fedorowicz e cols. (11), em 2011, realizaram uma revisão sistemática na base de dados da Cochrane sobre os efeitos antieméticos da ONDANSETRONA na redução dos vômitos na diarreia aguda em crianças e adolescentes. Foram incluídos 7 estudos envolvendo 1.020 participantes e os autores concluíram que a ONDANSETRONA, administrada por via oral, reduziu significativamente a frequência dos vômitos, a necessidade de rehidratação intravenosa e de internação hospitalar em comparação com o grupo placebo.
O uso da ONDANSETRONA na diarreia aguda foi primeiramente relatado por Cubeddu e cols. (12), em 1997, em um estudo realizado para avaliar a eficácia deste antiemético em comparação com a metoclopramida. Esses autores verificaram que as taxas de fracasso terapêutico foram significativamente menos frequentes com a ONDANSENTRONA (17%) do que com a metaclopramida (42%).
Yimaz e cols. (13), em 2010, realizaram um ensaio clínico randomizado, duplo cego placebo-controlado, para investigar o potencial efeito benéfico da ONDANSETRONA oral no tratamento dos vômitos na diarreia aguda. No Serviço de Urgência, durante as primeiras 8 horas de observação a proporção de pacientes que ainda apresentava vômitos foi de 21,8% no grupo ONDANSETRONA contra 66,7% no grupo placebo, cujas diferenças entre os grupos mostraram-se estatisticamente significantes.
Ao cabo de 24 horas a proporção de pacientes que ainda apresentavam vômitos foi de 10,9% no grupo ONDANSETRONA e 72,2% no grupo placebo, cujas diferenças mantiveram significância estatística. Os autores concluíram que a administração de comprimidos de desintegração oral em crianças com diarreia aguda e vômitos tiveram uma diminuição significativa de ambos, episódios de vômitos e taxas de hospitalização.
Freedman e cols. (14), em 2012, publicaram uma investigação retrospectiva em crianças internadas por diarreia aguda e vômitos no Hospital for Sick Children, Toronto, Canadá, de Julho de 2003 a Junho de 2008, com o objetivo de avaliar se o uso da ONDANSETRONA em comprimidos de dissolução oral apresentava uma correspondente diminuição na administração da rehidratação intravenosa e no tempo de internação. Durante o período de 5 anos do estudo, ocorreu uma redução significativa no uso da rehidratação intravenosa de 26% no período pré-intervenção para 14% no período pós-intervenção.
CONCLUSÃO
A análise critica dos trabalhos publicados na literatura, até o presente momento, indicam que o uso da ONDANSETRONA está associada com reduções clinicamente significativas nas taxas de vômitos, da necessidade da rehidratação intravenosa e consequente tempo de permanência nos serviços de urgência e nas taxas de internação hospitalar. A incorporação dos comprimidos de dissolução oral da ONDANSETRONA no arsenal terapêutico na diarreia aguda apresenta avanços indiscutíveis nos desfechos clínicos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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- Fedorowicz Z, Jagannath VA at al. Antiemetics for reducing vomiting related to acute gastroenteritis in children and adolescents. Cochrane Database Syst Rev 2011;9:CD005506.
- Cubeddu LX, Trujillho LM et al. Antiemetic activity of ondansetron in acute gastroenteritis. Aliment Pharmacol Ther 1997;11:185-91.
- Yilmaz HL, Yildizdas RD el al. Clinical trial: oral ondansetron for reducing vomiting secondary to acute gastroenteritis in children – a double-blind randomized study. Alimentary Pharmacology & Therapeutics 2010;31:82-91
- Freedman SB, Tung C et al. Times-series analysis of ondansetron use in pediatric gastroenteritis. JPGN 2012;54:381-386.