Capítulo 2: O longo caminho trilhado começou no IV Congresso Combinado NASPGHAN-ESPGHAN, em Houston, em outubro de 1994
A Federação Internacional de Gastroenterologia organiza periodicamente a cada 4 anos um Congresso Mundial da especialidade, e naquela época era costume deixar reservado um pequeno espaço na grade do programa para a realização de um fórum de Gastroenterologia Pediátrica. Neste evento que foi realizado em Los Angeles, em 1994, eu havia sido convidado para dar duas palestras, convite que aceitei e para lá viajei com todas as despesas pagas pelo evento. Em lá chegando fui informado que em Houston, na semana seguinte ao término do congresso de Los Angeles, seria realizada a quarta edição do congresso combinado entre as congêneres Norte Americana (NASPGHAN) e Europeia de Gastroenterologia Pediátrica (ESPGHAN). Na verdade, estas duas sociedades pediátricas realizavam anualmente seus congressos, de forma independente, cada uma em seu respectivo continente há vários anos, mas de quatro em quatro anos passaram a realizar este congresso conjunto, alternando, de forma sequencial, o continente. Como neste ano tocava a organização do evento à NASPGHAN, Houston foi a sede escolhida. Considerando que eu estava há apenas algumas horas de voo entre Los Angeles e Houston, as coincidências das datas (término de um e início do outro congresso), e meu enorme interesse na organização do Congresso Latino Americano de 1996, em São Paulo, decidi por conta e risco ir para Houston. Sim, digo enorme interesse porque como no referido evento estariam reunidos em um mesmo local os mais prestigiosos profissionais de ambas as sociedades NASPGHAN e ESPGHAN, eu teria a rara oportunidade de manter contato pessoal diretamente com a nata da nossa especialidade, não somente com os expoentes cientificamente reconhecidos, como também com os dirigentes de ambas as sociedades. Teria eu, portanto, a possibilidade de convidar pessoalmente os palestrantes para o Congresso de São Paulo, contatar os dirigentes para organizar um futuro evento incluindo também a LASPGHAN e ao mesmo tempo desfrutar a parte científica do evento assistindo as palestras e as apresentações dos trabalhos nas sessões de temas livres. Além disso, viviam em Houston dois grandes amigos, colegas de especialidade, Dr. Carlos Lifschitz e Dr. Buford Nichols, professores da Baylor College of Medicine, responsáveis pela organização daquele congresso conjunto NASPGHAN e ESPGHAN. Logo da minha chegada, para minha sorte, fui convidado pelo Nichols para um jantar que ele iria oferecer em sua casa, naquela noite, a alguns amigos europeus, e eu fui agregado como o intruso latino-americano. Aproveitando a ocasião falei da organização do evento de São Paulo, mas além disso, introduzi uma potencial novidade para ser considerada pelos amigos ali reunidos. Por que um congresso exclusivista reunindo apenas duas sociedades da especialidade e não um congresso inclusivo envolvendo todas as sociedades internacionalmente reconhecidas, um Congresso Mundial de Gastroenterologia Pediátrica, principalmente porque os mais graves problemas de saúde pública que afetam as crianças no mundo subdesenvolvido dizem respeito aos inúmeros transtornos digestivos, o inseparável binômio diarreia-desnutrição? Evidentemente esta proposta pegou a todos os presentes de surpresa, aliás o jantar não havia sido oferecido para este tipo de discussão, era para conversar sobre amenidades, mas alguém sugeriu que quem sabe em um breve futuro poderiam incluir a LASPGHAN neste seleto e exclusivo grupo, e não se falou mais neste assunto. No dia seguinte, ao ter o privilégio de assistir um evento de excepcional qualidade técnico-científica, pois estava presente perante a uma plêiade de pesquisadores pertencentes às mais prestigiosas instituições universitárias do mundo reunidos, de forma inédita para mim até então, em um mesmo evento, apresentando os resultados de suas mais recentes investigações, imediatamente passei a imaginar quão importante para meus colegas da LASPGHAN seria poder compartilhar estes conhecimentos. Pensei quantos benefícios poderiam advir deste potencial congraçamento para serem oferecidos à saúde das nossas crianças, melhorias incalculáveis na qualidade de vida de milhões de crianças que vivem no mundo subdesenvolvido e que padecem de enfermidades cujas prevenções e tratamentos são plenamente solucionáveis. Por outro lado, os pesquisadores dos países do mundo desenvolvido também obteriam inúmeros benefícios, posto que poderiam, com este intercambio, ter a oportunidade de travar contato na prática com a cruel realidade de vida dos profissionais de saúde que aqui atuam. A partir daquele dia, com todas estas esperanças que afligiam a minha mente, incorporei um desafio na minha carreira acadêmica, a organização de um Congresso Mundial.
Nestes dias do congresso fiz um profundo trabalho de prospecção para convidar, dentre os mais cientificamente reconhecidos, alguns palestrantes de ambas as sociedades. Sem desprezar, no entanto, o lado político da ideia da instituição de um potencial Congresso Mundial em breve futuro, tratei também de convidar os atuais presidentes de ambas as sociedades, bem como aqueles que tinham alguma simpatia pela minha causa e também possuíam alguma capacidade de influenciar positivamente na consecução do meu projeto. Uma vez formulados os referidos convites houve uma positiva adesão aos mesmos por parte da maioria dos convidados. Logo do meu retorno a São Paulo passei a travar contato com as indústrias farmacêuticas e alimentícias para conseguir o patrocínio para financiar a vinda dos convidados internacionais. As negociações avançaram favoravelmente e em pouco tempo eu havia conseguido obter o sinal positivo para trazer meus convidados, portanto, a organização do XII Congresso Latino-Americano de 1996, estava praticamente definida.No ano seguinte, para confirmar a presença de alguns palestrantes europeus viajei a Jerusalém, Israel, para participar do Congresso da ESPGHAN, principalmente porque queria encontrar-me com o grupo espanhol, que era numeroso e sempre havia apoiado nossos congressos desde de 1982, e que não estivera presente em Houston.
O encontro com os líderes do grupo espanhol Dra. Isabel Polanco, Dra. Lucrecia Suarez e Dr. Hector Escobar resultou excelente, pois eles confirmaram que viriam em grande número, trazendo também muitos trabalhos para serem apresentados nas sessões de Temas Livres. Além deste feliz encontro algo totalmente inesperado contribuiu de forma decisiva para que meus futuros anseios viessem a ser concretizados. Tratou-se do contato com o novo presidente da ESPGHAN, que havia sido recentemente eleito, Dr Samy Cadranel. Cadranel está radicado em Bruxelas, Bélgica, mas é marroquino de nacionalidade, e por suas raízes de origem conhecia muito bem nossa realidade e mostrou-se, desde logo, totalmente sensível aos meus apelos pela realização de um evento de conotação mais abrangente, na verdade um Congresso Mundial. Cadranel de imediato aceitou meu convite para participar do XII Congresso Latino-Americano e também se comprometeu a defender a minha causa no continente europeu. Em resumo, os ganhos da minha viagem a Jerusalém resultaram muito além das minhas expectativas iniciais. Aparentemente tudo caminhava para que o embrião do Congresso Mundial estivesse em plena formação…