Prolapso Retal na Infância: principais causas, apresentação e manejo clínico
Prof Dr Ulysses Fagundes Neto
O número de fevereiro de 2020, da tradicional revista Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition, traz um artigo intitulado “Rectal Prolapse in Children: An Update to Causes, Clinical Presentation, and Management” de autoria de Cares K. e cols., que a seguir passo a resumir.
Introdução
O prolapso retal (PR) é uma protrusão da mucosa retal através do esfíncter anal (Figura 1).
Figura 1- Desenho esquemático de PR obtido do livro Digestive System de Frank Netter (The Ciba Collection).
Método
O objetivo deste estudo foi realizar uma análise descritiva retrospectivamente de crianças diagnosticadas com PR. Foi realizada uma revisão dos prontuários das crianças menores de 18 anos de idade com o diagnóstico de PR, atendidas no Chidren’s Hospital of Michigan.
Resultados
Foram identificados 158 pacientes com diagnóstico de PR. A idade média no momento do diagnóstico foi 3 anos e 11 meses, com variação de 2,5 semanas a 17 anos, 93 (59%) eram meninos. Failure to thrive foi diagnosticado em 8% dos casos. Constipação foi o principal diagnóstico associado a PR em 87 (55%) pacientes. A segunda causa mais comum foi a idiopática em 27 (17%) pacientes, posto que nenhuma causa subjacente foi confirmada. Somente 4 (3%) pacientes, tiveram o diagnóstico de fibrose cística estabelecido (Tabela 1).
O tempo médio de duração do PR foi de um ano. A duração foi levemente mais prolongada nos pacientes acima dos 4 anos de idade, em média 1 ano e 2 meses. Os pacientes com diagnóstico de PR idiopático e com idade superior a 4 anos, apresentaram a mais extensa duração dos sintomas, durante 2 anos e 7 meses. Dentre esses pacientes 5 em 9 deles, apresentavam transtorno comportamental associado.
Nos pacientes com diagnóstico de constipação 52% (17 entre 33) pacientes apresentavam fezes consistentemente endurecidas, enquanto o restante descreveu a consistência das fezes como pastosa ou mista. A queixa mais comum no grupo com constipação foi o esforço para evacuar (63%). A investigação laboratorial neste grupo de pacientes, incluiu teste do suor (40%), enema de bário (18%), triagem para Doença Celíaca (DC) (22%), hormônios tireoidianos (11%) e colonoscopia (9%). Transtorno comportamental idiopático foi caracterizado em 7 (28%) pacientes, sendo que desses, 1 foi confirmado ter sido sexualmente abusado e em 3 outros pacientes havia suspeita de abuso sexual. Síndrome da Úlcera retal solitária foi encontrada em 2 pacientes, quando da realização da colonoscopia.
A Figura 2 apresenta os detalhes da realização da redução manual dos 59 pacientes. Indicação cirúrgica foi solicitada para atender na redução de 14 pacientes, os quais requereram sedação e redução manual, enquanto 2 pacientes requereram redução com aplicação de açúcar.
A resolução do PR ocorreu em 33 pacientes que foram submetidos a intervenção médica isolada, cuja idade média foi de 3 anos. Oito pacientes necessitaram tratamento de sua enfermidade de base, tais como dieta isenta de glúten para a DC; os demais pacientes foram submetidos ao tratamento com laxante ou suplemento com fibras, sendo que o polietilenoglicol 3350 foi o agente laxante mais comumente prescrito, em 88% dos pacientes. A duração média do prolapso foi 2 de meses. A maioria dos pacientes foi referida para cirurgia no caso de persistência ou recorrência do PR, a despeito da conduta clínica estabelecida, com duração média de 5 meses de recorrência do PR. Onze pacientes foram agendados para cirurgia em seguida da primeira consulta, devido tanto a duração do prolapso ou a idade de instalação. A duração mais curta documentada foi 7 meses e a idade mais precoce 6 anos.
Trinta e quatro (22%) pacientes necessitaram intervenção cirúrgica. O procedimento mais comum foi a cauterização linear com uma sutura de retenção circunferencial da submucosa (cerclagem), com idade média de 6 anos. O segundo procedimento mais comum incluiu a cauterização linear isolada, com idade média de 8 anos.
Um paciente necessitou realização de retopexia laparoscópica após o fracasso da cauterização tanto linear quanto a cerclagem. O início do PR ocorreu aos 7 anos de idade, que requereu intervenção aos 8 anos e necessitando da retopexia aos 10 anos de idade.
Discussão
No passado, a fibrose cística (FC) foi descrita como o principal diagnóstico do PR. Segundos alguns estudos a FC foi relatada como causa de PR entre 11 e 18,5% dos pacientes, e, por isto, havia recomendação da realização do teste do suor nos casos com diagnóstico de PR. No presente estudo, apenas 3% dos pacientes com PR tiveram diagnóstico de FC.
No nosso grupo de pacientes foram encontrados dois casos de PR cujo diagnóstico final foi DC, e ambos apresentaram completa resolução da PR após o início de uma dieta isenta de glúten.
No nosso estudo, uma grande porcentagem de pacientes teve diagnóstico de transtorno neuropático ou anormalidades anatômicas com histórias prévias de correções cirúrgicas. Vale ressaltar, que estes pacientes apresentam alto risco para PR, posto que, eles tendem a apresentar uma fraqueza do soalho pélvico, devido a inervação ineficiente, ausência da musculatura de suporte ou variantes anatômicas. ´
No nosso estudo, a idade média dos pacientes que apresentaram PR foi 3 anos e 11 meses. Está bem estabelecido que pacientes menores de 4 anos de idade apresentam um risco maior para PR, principalmente em virtude das diferenças da anatomia. Posição mais baixa e vertical do reto, mobilidade do sigmoide e imaturidade do desenvolvimento do músculo elevador do ânus. Após os 4 anos de idade, o sigmoide e o reto assumem a forma dos adultos e apresentam um desvio posterior, o que diminui a intensidade da pressão aplicada diretamente sobre o reto. Por esta razão, pode ocorrer resolução espontânea em muitos casos, embora os bons resultados podem ser atribuídos ao tratamento da constipação com laxantes.
Cerca de metade dos pacientes com PR apresentaram queixa de constipação com fezes de consistência endurecida. A queixa mais comum é o esforço para evacuar, e isto acarreta um aumento da pressão intra abdominal sobre o reto, aumentando as probabilidades do PR. Uma posição inadequada ao se sentar no vaso sanitário impede a orientação normal da evacuação e dificulta a eliminação das fezes. Admite-se que a correta posição de se sentar no vaso sanitário, representa uma das mais eficazes atitudes no manejo da constipação, em comparação com o uso de laxantes.
Catorze pacientes necessitaram sofrer a redução do PR em ambiente hospitalar. A maioria das reduções foi exitosa apenas pela manobra da pressão digital com sedação. Sedação foi necessária em virtude da ansiedade e da dor sofrida pelos pacientes. É do conhecimento geral que quanto mais prolongada a persistência do PR torna-se mais difícil a redução em virtude do edema progressivo da mucosa prolapsada. Por esta razão a redução do PR deve ser tentada o mais rápido possível. Em geral a pressão digital constante e com firmeza sobre a mucosa prolapsada reduzirá o prolapso. Entretanto, alguns casos irão necessitar de tratamento adicional como o que ocorreu com dois dos nossos pacientes que necessitaram de aplicação de açúcar, a qual por efeito osmótico, reduz o edema da mucosa prolapsada.
No nosso estudo, 22% dos pacientes fracassaram no manuseio clínico do PR e necessitaram conduta cirúrgica. O procedimento mais comum foi a cauterização linear com cerclagem. Cauterização linear isolada foi o segundo procedimento mais comum.
Um achado interessante nesse grupo de pacientes revelou-se ser o transtorno comportamental ou estresse social que ao que tudo indica foram responsáveis pela alta taxa de recorrência do prolapso. Vale ressaltar, que este tipo de problema também tem sido relatado por outros autores, que chegaram a relatar que em até 50% dos seus pacientes com PR, este procedimento foi necessário.
Em conclusão, este estudo retrospectivo demostrou que o PR e suas características se modificaram, posto que FC deixou de ser um diagnóstico frequente, já que a implementação do rastreamento neonatal tem tido uma eficaz contribuição. Diferentes enfermidades têm sido recentemente descritas como causa de PR, e que eram desconhecidas previamente, tais como DC. Esforço para evacuar é a queixa mais frequente, o que sugere que técnicas apropriadas para se sentar no vaso sanitário são essenciais no manejo profilático do PR.
Referências Bibliográficas
- Cares K e cols. JPGN 2020, 70:243-46.
- Hill SR e cols. Pediatr Surg Int 2015, 31:219-21.
- Cares K e cols. JPGN 2016, 62:26-8.
- El-Chammas KL e cols. JPGN 2015, 62:110-2.