São Roque de Minas, no coração da Serra da Canastra, possibilita um mergulho no Brasil da gente genuinamente brasileira: vale a pena uma visita mais detalhada
Introdução: a viagem de ida
Depois de muitas conversas e possibilidades para escolher um local onde passar as férias de fim de ano, minha mulher, Luciana e eu, decidimos visitar a região da Serra da Canastra, famosa pelos cenários de beleza natural em toda sua extensão, com inúmeras cachoeiras e a paisagem de um verde exuberante, bem como a grande fama, inclusive internacional, pela produção de queijos artesanais.
Um fator muito importante para esta escolha foi termos levado em consideração que a região possui hotéis que aceitam a presença de animais de estimação de pequeno porte, são os chamados “pet friendly”, como é caso do Hotel Chapadão da Canastra. Desta forma, poderíamos levar conosco nossa netinha a Bila, uma encantadora e charmosa Chihuahua de 3 anos e meio de idade, para que ela também pudesse desfrutar os prazeres de uma longa viagem junto a nós.
Assim foi feito, enfrentamos os 517 km que nos separam de São Roque de Minas, entre os dias 27 de dezembro de 2023 e 2 de janeiro de 2024, percorrendo ao todo 1.444 km, incluindo uma visita bate-volta ao Capitólio, com o intuito de conhecer a represa de Furnas, e mais particularmente, a espetacular vista do Mirante do Canion.
Foram 7:30 horas de viagem pelas excelentes rodovias do Estado de São Paulo (Bandeirantes, Anhanguera, José Roberto Magalhães Teixeira, Dom Pedro I, Adhemar Pereira de Barros, Mario Beni, Boanerges Nogueira de Lima, Eduardo Vicente Nasser) até a divisa com o Estado de Minas Gerais.
A partir daí a qualidade da pavimentação cai para sofrível, e até mesmo ruim em vários trechos. Além disso, a total falta de sinalização dos itinerários, que mesmo com a utilização do Waze, pois nem sempre o sinal da internet encontrava-se disponível, dificultou sobremaneira acertar o curso correto do destino. Por pelo menos três vezes cheguei a me perder durante a viagem, o que resultou em importante transtorno para retornar à rota correta. Considero ser isso uma situação absolutamente incompreensível, um verdadeiro descaso para com o viajante, particularmente por se tratar de uma região de forte afluxo turístico.
A região da Serra da Canastra e seus municípios
A Serra da Canastra recebeu esta denominação porque tem o formato de um baú, em virtude do seu imenso chapadão ser semelhante a uma canastra, antigo vocábulo de origem grega utilizado para denominar um tipo de arca móvel rústica de formato retangular.
A região da Serra da Canastra engloba 7 municípios, a saber: São Roque de Minas, Delfinópolis, Sacramento, São João Batista da Glória, Capitólio, Vargem Bonita e Piumhi.
O Parque Nacional da Serra da Canastra, um dos mais importantes parques nacionais foi criado em 1972 ocupando uma área de 1.978 km², no qual se encontra a nascente do rio São Francisco, que após percorrer mais de 3.000 km entre vários estados do nordeste brasileiro deságua no mar.
São Roque de Minas e as fazendas produtoras queijo
O Brasil possui uma vasta extensão territorial de 8.515.777 km², que representam 47,3% do continente sul-americano, distribuídos entre 5.578 municípios e 2 distritos, Fernando de Noronha e o Distrito Federal. Segundo o censo de 2022 há 44,8% dos municípios brasileiros com uma população de até 10.000 habitantes.
São Roque de Minas possui uma área de 2.101 km², está situado a 819 metros de altitude acima do nível do mar (para efeito de comparação São Paulo se situa a 760 metros de altitude acima do nível do mar), e tem uma população de aproximadamente 7.000 habitantes. Está localizado a 6 km da portaria de entrada do Parque Nacional da Serra da Canastra.
São Roque de Minas foi fundada em 1675 pelo bandeirante Lourenço Castanho. Era um vilarejo habitado pelos índios Cataguazes que por ele foram dizimados. Durante muitos anos serviu de refúgio para alguns escravos foragidos na região onde formaram quilombos, que viviam da pesca, caça e agricultura. Acredita-se que em 1758, Diogo Bueno da Fonseca, por ordem do Governador das Gerais, aniquilou os escravos em uma luta sangrenta. Depois desse massacre as terras passaram a ser habitadas por mestiços e brancos vindos dos centros de mineração e da vizinhança em decadência. Com o decorrer do tempo o vilarejo cresceu, tornou-se uma cidade, e, em 17/12/1938 foi alçado à condição de Município com a denominação de Guia Lopes, em homenagem a José Francisco Lopes, herói da retirada da Laguna (guerra do Paraguai 1864-1870). Finalmente, em 30/12/1962 a cidade passou a ser denominada São Roque de Minas em plebiscito democrático.
Assim que chegamos ao hotel, ainda cansados pela longa viagem, fomos confortados e muito bem acolhidos pelos funcionários e pelas proprietárias do nosso hotel, sras. Romilda e Simone, sempre extremamente atenciosas, preocupadas com o nosso bem-estar. O hotel trata-se de uma edificação de 3 andares localizado em um amplo terreno com estacionamento próprio.
Nosso apartamento era bastante razoável dispondo de ar-condicionado, televisão com internet e banheiro, com farto café da manhã incluído na diária. Ao atravessar a rua há uma área de lazer, onde se encontram a lanchonete, o salão de jogos e uma excelente piscina, onde todos os dias pude me exercitar, praticando 30 a 40 minutos de natação.
Fomos também muito bem atendidos pelo pessoal da cidade, em todos os ambientes que frequentamos, as pessoas se mostravam extremamente solícitas, sempre dispostas a nos oferecer o calor humano típico das pequenas cidades do interior do Brasil. Quanto à questão da segurança pessoal nos sentimos totalmente despidos de quaisquer preocupações, porque de forma unânime, todas as pessoas nos afirmavam que não havia com o que se preocupar, não havia riscos de furtos, roubos ou violência, e, de uma maneira geral, praticamente todos se conheciam na cidade. Estes relatos nos trouxeram uma grande paz de espírito, diferentemente do que estamos acostumados a vivenciar nos nossos grandes centros urbanos.
Como toda cidade do interior há inúmeros bares, cafés, lanchonetes e poucos restaurantes. Nós nos ativemos a frequentar 2 deles: Velho Chico e a Taberna Zagaia.
O Velho Chico é um restaurante amplo que serve uma deliciosa comida tipicamente mineira. Quando lá chegamos havíamos sido informados no nosso hotel que eles aceitavam pets, entretanto, isto não era verdadeiro. Depois de algumas conversas com o garçon encarregado do atendimento, chegamos a um acordo. Ele colocaria uma mesa com as cadeiras na calçada, na entrada do restaurante e aí poderíamos nos acomodar com a Bila. Assim foi feito, desta forma pudemos apreciar tranquilamente o saboroso feijão tropeiro, uma das especialidades da casa.
Na segunda visita não houve qualquer objeção quanto a presença da Bila, a mesa e as cadeiras foram rapidamente montadas na calçada, e a lua veio nos fazer companhia.
A Taberna Zagaia é um restaurante de espaços amplos que aceita pets sem quaisquer restrições.
Fomos muito bem atendidos pela dona do restaurante e pelos outros funcionários, a comida estava excelente tipicamente mineira.
Fomos informados que o restaurante iria oferecer a ceia de fim de ano, denominada “Open Food” com preço fixo e música ao vivo. Decidimos encampar a ideia e assim pudemos assistir as apresentações dos músicos, desfrutar uma boa comida, bem como travar conhecimento com a “alta sociedade” da cidade.
À meia-noite houve uma longa queima de fogos a partir da praça da matriz que pode ser vista da calçada do restaurante.
São Roque de Minas há algum tempo passou a ser reconhecida como o principal polo de produção do queijo que recebeu a denominação de origem “Queijo da Serra da Canastra”, tendo sido agraciado com vários prêmios internacionais.
Nós tivemos a oportunidade de visitar 8 fazendas produtoras de queijo artesanal. Todas elas estão abertas à visitação, oferecem demonstração da produção desde a ordenha da vaca, que é sempre mecânica, a elaboração propriamente dita, a maturação do queijo em seus diferentes tempos, e, por fim a degustação. Caso haja interesse por parte do visitante, os diferentes tipos de maturação do queijo estão à disposição para serem comprados. As fazendas estão localizadas a curtas distâncias da cidade, alcançáveis por estradas de terra, por sinal em péssimas condições de tráfego, o que é uma lástima porque dificulta sobremaneira a locomoção para veículos de passeio. Entretanto, considerando-se a excelência do atendimento humano do pessoal das fazendas, e a extraordinária qualidade dos produtos oferecidos, vale muito a pena enfrentar essas dificuldades.
Abaixo estão relacionadas as fazendas por nós visitadas, em ordem absolutamente aleatória:
- Fazenda São Bento, cujo proprietário chama-se Zé Mário. Trata-se de um senhor extremamente afável sempre disposto a um longo bate papo, enquanto fazemos a degustação. Sua esposa a dona Valdete está sempre por perto para oferecer um café. Eu fui 2 vezes visitá-lo porque queria fotografá-lo, o que eu não havia feito na primeira visita. Claro que também foi um bom motivo para uma vez mais degustar seu excelente queijo e comprar mais algumas unidades.
Zé Mário me contou que sua fazenda tem 200 anos, inicialmente pertenceu a seu avô, passou para seu pai e está sob seu comando há mais de 50 anos. Ele me disse que não sai da fazenda de jeito nenhum, tem uma casa totalmente mobiliada na cidade, mas nunca vai visitá-la.
O queijo produzido por Zé Mario foi condecorado várias vezes como o melhor queijo artesanal de Minas Gerais.
2. Fazenda Capim Canastra, cujo queijo aí produzido recebeu a medalha de prata do Mondial du Fromage em 2015, na França. Seu proprietário chama-se Guilherme
Ferreira, que segundo inúmeros relatos de outros habitantes da cidade, é um dos grandes incentivadores da divulgação do queijo da Serra da Canastra.
Fomos atendidos por uma técnica, sra. Gliciane, que nos explicou com riqueza de detalhes todas as etapas da produção do queijo, desde a ordenha da vaca, que é mecânica, até a maturação final do queijo se dá em uma caverna especialmente construída para este fim.
Gliciane esteve sempre disposta a responder todas as perguntas formuladas pelos visitantes. Eu fiz inúmeras perguntas e ela respondeu a todas elas, com muita segurança e sem a menor hesitação.
3. Fazenda Roça da Cidade, bem próxima do centro da cidade, caminho asfaltado. Excelentes explicações, e, ao final da apresentação, durante a degustação, é possível provar o Canastra Real, um queijo excepcional, de maturação superior a 5 meses. Vale informar que pela legislação o tempo mínimo de maturação é de 14 dias.
4. Fazenda é Nós na Cidade, situada um pouco adiante da anterior também oferece degustação e produz excelentes queijos.
5. Fazenda do Ivair, um lugar simples, mas bastante acolhedor com excelentes queijos.
6. Fazenda Capão Grande;
7- Fazenda Talismã;
8- Fazenda do Cláudio.
Estas últimas 3 fazendas, por questões de falta de disponibilidade de tempo, apesar de serem grandes produtoras de queijo, não nos foi possível aprofundar em maiores detalhamentos.
Visita ao Capitólio e o Mirante do Canion
No sábado, dia 30 de dezembro, fizemos a viagem bate-volta ao Capitólio que se encontra 86 km ao sul de São Roque de Minas, com o intuito de visitar a represa de Furnas, mais especificamente o Mirante do Canion.
O planejamento da usina hidroelétrica de Furnas foi feito no governo do Presidente Juscelino Kubitschek em 1957, a formação da represa ocorreu em 1961 e sua inauguração em 1965.
A usina hidroelétrica de Furnas foi construída pela formação da barragem do rio Grande entre os municípios de São José da Barra e São João do Glória, constituindo um reservatório de 22,59 bilhões de m³ de água.
Há uma infinidade de atrações turísticas na região do Capitólio, mas sem dúvida alguma o maior atrativo está centrado no Mirante dos Canions, um lugar que permite avistar os grandes paredões rochosos do imenso lago de Furnas, cuja represa se tornou o mar de Minas Gerais.
Conclusão
Finalmente, nestes 7 dias de férias, aproveitamos um merecido descanso das inevitáveis atribulações diárias vivenciadas durante o ano, o ônus imposto aos moradores da nossa sempre trepidante e amada Paulicéia Desvairada. Tivemos assim, a oportunidade de experimentar o prazer de desfrutar o contato com este outro mundo, um mundo simples e hospitaleiro, o genuíno Brasil dos brasileiros, tão distinto das rudezas e das belezas deste nosso universo da modernidade ao qual estamos acostumados a enfrentar, na batalha diária pela sobrevivência, com todos os inúmeros riscos e oportunidades inerentes às grandes Metrópoles. Tenhamos todos um Feliz 2024!!!